Saturday, September 10, 2005

Entrevista a Adília Lopes


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As perguntas que formam esta longa «entrevista» a Adília Lopes resultaram de um trabalho de casa das turmas 8.º 1.ª, 2.ª, 3.ª, 5.ª e 6.ª. Estas turmas tinham lido, daquela escritora, um texto que está no manual, «O Colégio», e uma nota biográfica, também no manual. Tinham ainda escolhido, e lido em voz alta, um poema do livro de Adília Lopes que lhes tivesse calhado (havia uma obra diferente em cada carteira). Depois, no tal trabalho de casa, tratava-se de escrever cinco perguntas a que Adília responderia por escrito, nas próprias folhas desse TPC.
Pedi a Adília Lopes que respondesse de modo breve, na única linha que em geral lhe deixavam a seguir às perguntas. Algumas das respostas poderão parecer secas. Mas a regra era mesmo essa: preferíamos ter muitas perguntas respondidas brevemente, a menos respostas ainda que mais longas. Fui eu que escolhi as questões a que Adília responderia. Para não a sobrecarregar, procurei que respondesse a não muito mais do que uma pergunta de cada um dos cerca de cem alunos que fizeram o trabalho de casa. Ainda assim, a escritora respondeu a, se bem as contei, cento e quarenta e duas perguntas.

Fez-se uma primeira versão em papel em que as perguntas apareciam sem nenhuma ordem especial. Foi então pedido aos alunos que, relanceadas essas folhas, fizessem uma proposta de arrumação em cerca de cinco ou seis secções (de maneira a contemplarmos todas as perguntas sem, por outro lado, ficarmos com demasiados capítulos). É o resultado dessa reorganização da «entrevista» que fica a seguir. A estrutura final obedece ao que vinha proposto por alguns dos alunos, sendo os títulos os de Brigitta, 8.º 1.ª, Eliana, 8.º 1.ª, e Carla, 8.º 5.ª.


ADÍLIA LOPES vs. MARIA JOSÉ OLIVEIRA

Gostaria de ter um autógrafo seu. Dá-mo? [António, 8.º 6.ª]


Porque escolheu um outro nome para a representar? [Joana A., 8.º 1.ª]
Queria ser autónoma em relação à minha família e ao meu passado.

Porque criou o pseudónimo «Adília Lopes»? [Rita, 8.º 5.ª; Patrícia, 8.º 1.ª; Miguel M., 8.º 3.ª; Frederico, 8.º 2.ª]
Senti, instintivamente, que os textos que escrevia se afastavam de mim, não eram bem eu, como uma máscara, uma caraça. Adília Lopes não é bem Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira. Confesso hoje que gostava de ter escrito textos de Maria José Oliveira, mas isso não foi e ainda não é possível.

Porque usa pseudónimo literário? E porquê Adília Lopes? [Mário, João Af., 8.º 6.ª; Nuno, 8.º 1.ª]
Como me dava mal com os meus pais, decidi usar um pseudónimo. «Adília Lopes» foi um nome arranjado por um amigo. Não sei por que motivo escolheu este nome.

Quem é a Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira e como se relaciona com ela? [Catarina, 8.º 2.ª]
Imagino-a sempre como uma menina metida na cama, friorenta, que não se quer levantar para ir para a escola. Ralho com ela.

Ao ler a sua biografia (pequena biografia, digamos) na página 16 do meu manual de Língua Portuguesa, confrontei-me com a seguinte frase: «Adília Lopes e Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira são uma e a mesma pessoa. São eu». Poderia dar-me uma ideia mais precisa sobre isto? [Joana L., 8.º 6.ª]
Uma pessoa não é um nome nem é uma máscara, não é uma personagem. Eu não me sinto duas pessoas.


POR DETRÁS DE ADÍLIA LOPES

Qual é o seu lema de vida? [Elizângela, 8.º 1.ª]
Só Deus basta.

Para si, qual é a definição de «tristeza»? [Gustavo, 8.º 1.ª]
É perder a confiança nos outros.

E de «felicidade»? [Gustavo, 8.º 1.ª]
É gostar de estar com os outros.

Qual é a sua definição de «solidão»? [Gustavo, 8.º 1.ª]
Solidão é não termos a quem pedir ajuda.

Porque nunca casou? [Ricardo, 8.º 1.ª]
Não sei.

Obteve apoio familiar para realizar o que já realizou? [João F., 8.º 1.ª]
Sim, os meus pais apoiaram-me financeiramente.

Os seus pais concordavam com o facto de ser escritora? [Ricardo, 8.º 1.ª]
Aceitaram. Mas o meu pai não gostava, porque «não dá dinheiro».

Descreva-se em três palavras. [Brigitta, 8.º 1.ª]
Mulher, cristã, lisboeta.

Qual é o seu «maior ídolo»? [Daniel, 8.º 1.ª]
Não tenho ídolos.

Quando era nova, gostava de ler? [Alexis, 8.º 1.ª]
Gostava de ouvir ler. Só a partir dos dez anos é que passei a ler para mim.

Sempre foi boa aluna a Língua Portuguesa? [Alexis, 8.º 1.ª]
Sempre fui boa aluna a Língua Portuguesa. Mas tive dificuldades em aprender gramática. Por outro lado, houve um momento em que divergi ideologicamente de uma professora de Português. Eu era muito nova, isso traumatizou-me, embora a professora me tenha dado boas notas.

Se lhe tivesse sido permitido escolher o local de nascimento, que país teria escolhido? Porquê? [Frederico, 8.º 2.ª]
Escolhia sempre Lisboa, porque adoro Lisboa. Lisboa não é um país, por isso não respondi bem à sua pergunta.

Se se caracterizasse a si própria psicologicamente, como o faria? [Carolina, 8.º 2.ª]
Sou impulsiva, agressiva e doce, introvertida e sociável, infantil, lógica e lúcida, insegura, preguiçosa, desisto facilmente, também sou teimosa e obstinada. Não sou calculista, não sou maldosa.

Donde veio o interesse pela poesia? [Miguel, 8.º 2.ª; Nuno, 8.º 1.ª; Marta G., 8.º 2.ª; Silvana, 8.º 3.ª]
Desde muito nova (dez anos) que os meus poemas foram considerados bons. Desse sucesso pessoal veio o meu interesse.

Onde vive? [Teresa, 8.º 2.ª]
Vivo em Lisboa, na Estefânia.

Quantos anos tem? [Diogo, 8.º 2.ª]
Tenho 45 anos.

Quando nasceu? [Tiago, 8.º 2.ª]
A 20 de Abril de 1960.

É casada? [Tiago, 8.º 2.ª]
Não. Sou solteira.

Tem filhos? [Tiago, 8.º 2.ª]
Não tenho filhos. Tenho dois gatos que considero filhos. Os gatos chamam-se Lucinda e João Paulo.

Que idade têm? [Tiago, 8.º 2.ª]
A Lucinda tem dois anos e o João Paulo tem cinco anos.

Tem mais alguma profissão para além de escritora? [Catarina, 8.º 2.ª]
Não. Sou doméstica, mas isso, infelizmente, não é considerado uma profissão.

Porque usa o cabelo curto desde 1981? Porque se habituou ao corte? [António Pedro, 8.º 3.ª]
Porque faziam troça do meu cabelo, por ter muito volume e ser muito frisado. Aconselharam-me a usá-lo curto. Mas também me criticavam por o usar tão curto. Tinha uma tia que dizia «Nem que ela fosse muito bonita aquele corte lhe ficava bem». Como era muito prático usá-lo curtinho, habituei-me a tê-lo assim. 1981 é uma data chave para mim, porque foi o ano em que decidi interromper os estudos. Tornei-me mais dona de mim. Tinha 21 anos. Os 21 anos era a maioridade quando eu era criança. E para mim bateu certo. Agora (Novembro de 2005) uso o cabelo comprido, abaixo das orelhas. Depois da morte do meu pai, em 2002, senti-me outra vez mais livre e decidi mudar de penteado.

Para além de escritora, exerceu outras profissões? [Mafalda, 8.º 3.ª]
Fui bolseira do INIC (Instituto Nacional de Investigação Científica).

Que parte do dia lhe custava mais a passar? [Carolina, 8.º 3.ª]
A manhã.

É verdade que ao almoço fingia que comia, mas, à socapa, ia deitando bocados de comida para debaixo da mesa? [Carolina, 8.º 3.ª]
Não tenho a certeza de que isso tenha acontecido.

No princípio escrevia só para si ou para publicar as suas obras? [Mariana, 8.º 5.ª; Cláudia, 8.º 2.ª]
Escrevia, como aluna de Português, para a professora. Mas, desde os 10 anos, que queria publicar.

O que a incentivou a ser escritora? [Filipe, Joana D., 8.º 5.ª; Joana A., 8.º 1.ª; Tatá, 8.º 2.ª]
Os elogios dos professores de Português, em primeiro lugar. Mais tarde, a condição pessoal, íntima, de que o que escrevia tinha valor. A opinião favorável, nessa altura, de um amigo.

Se pudesse voltar à escola, voltava? [Rui, 8.º 5.ª]
Voltava. Aproveitava para estudar de maneira diferente e, sobretudo, dava-me mais com os meus colegas.

O que faz durante os seus tempos livres? [Joana F., Catarina, Joana D., 8.º 5.ª; Mafalda, 8.º 3.ª]
Estou em casa e no meu bairro e deixo os pensamentos correrem livremente. Adoro ter tempo livre para poder não fazer nada.

Já algum dia pensou em deixar de escrever poemas e seguir outra profissão? [Joana F., 8.º 5.ª; João M., 8.º 6.ª]
Penso nisso constantemente. E é o que quero fazer. Escrevi os poemas que queria e podia escrever. Preciso agora de ter uma profissão que me entusiasme tanto como me entusiasmou ser poetisa.

Como foi a sua vida enquanto criança? Árdua, ou nem por isso? [Joana D., 8.º 5.ª]
Não foi muito feliz. Estava doente e não ia à escola. Não tive convívio com outras crianças. Houve muita coisa que não aprendi e que já não posso aprender. Há coisas que só se aprendem entre pessoas da mesma idade e em criança. Falo da minha vida até aos dez anos. Ao dez anos, comecei a ir regularmente à escola, mas já era tarde demais.

Em pequena já desejava ser escritora, ou foi um sonho que surgiu mais tarde? [Carlota, Catarina, 8.º 5.ª; Laura, 8.º 3.ª; Marta S., 8.º 2.ª]
Surgiu aos 10 anos, por influência da professora de Português.

Com quantos anos é que começou a ter gosto pela poesia? [Ana, 8.º 5.ª; Nuno, 8.º 1.ª; Cláudia, 8.º 2.ª; Joana A., 8.º 6.ª]
Talvez aos 4 anos.

Quando é que se apercebeu de que queria ser poetisa? [Catarina, 8.º 5.ª; Joana L., 8.º 6.ª]
Nunca quis ser poetisa. Quis ser prosadora. Mas desde os meus 11 anos que os meus textos em verso tiveram mais sucesso que os em prosa.

Se não fosse escritora, o que é que seria? [Cláudia, 8.º 5.ª; João F., 8.º 1.ª]
Acho que não podia ser outra coisa. Mas não foi o meu sonho de criança. Quando era criança, queria ser mãe e doméstica.

Gostava de ter optado por outra arte diferente da escrita? [João F., 8.º 5.ª]
Gostava mais de usar as mãos. Acho que gostava de ter feito gravuras em madeira e escultura em madeira. Gostava também de ter tido uma ocupação menos solitária. Os outros fazem-me falta.

Que outra profissão gostaria de seguir, se não fosse escritora? [Carla, 8.º 5.ª; Catarina, Elizângela, 8.º 1.ª; Laura 8.º 3.ª]
Gostava de ter sido professora de Português ou de Francês. Gostava, acima de tudo, de ter sido casada, mãe e doméstica.

Tem outros escritores na sua família? [Soraia, 8.º 5.ª]
Que eu saiba, tenho dois. O historiador do século XIX Oliveira Martins. E o arqueólogo José Queiroz.



Quando era criança, já sonhava ser poetisa? [Tiago, 8.º 5.ª; Francisco, 8.º 6.ª]
Quando era criança, queria ser mãe e dona de casa. Não pensava em ser poetisa. Queria ser famosa como a Madalena Iglésias. Era assim, talvez: primeiro, ganhava o Festival da Canção a cantar melhor do que a Madalena Iglésias e, depois, casava-me e tinha uns 12 filhos, como uma prima direita da minha mãe.

Quais são os seus passatempos preferidos? [Nuno, 8.º 5.ª]
Sou preguiçosa, tornei-me preguiçosa. Não fazer nada é o meu passatempo favorito. De facto, gosto de estar em casa, com os gatos, a seguir o fio dos meus pensamentos. Abro um livro para reler um poema, vou à estante à procura de outro livro. Faço verificações.

De que tipo de filmes gosta? [Nuno, 8.º 5.ª]
Gosto de filmes «de autor». Se há um filme de Manoel de Oliveira, de Ingmar Bergman, por exemplo, quero ir ver.

Pratica algum desporto em particular? [Nuno, 8.º 5.ª]
Quando era colega do professor Luís Prista, pratiquei muito desporto, graças a uma excelente professora de Educação Física, a professora Isabel Caroço, que me motivou. Pratiquei sobretudo badmínton. Depois fiz ioga. Actualmente, tenho muito prazer em andar a pé.

No seu texto, dizia que no colégio não comia. Queria saber se não comia porque não gostava da comida ou por estar triste? [Mónica, 8.º 5.ª]
Não comia por estar triste. É verdade que a comida, por não ser acabada de fazer, também não parecia saborosa. Mas, a partir dos dez anos, como gostava da escola, já gostava da comida, mesmo fria.

Conta que lhe custou muito separar-se da sua mãe: como é que foi essa separação? [Mónica, 8.º 5.ª]
Tinha medo que a minha mãe morresse longe de mim, sem saber.

Como é que eram as suas amigas de fantasia, se é que as chegou a inventar? [Mónica, 8.º 5.ª]
Havia a Maria Antónia. Eu falava às pessoas crescidas da Maria Antónia. Tinha um nome e tinha muitas casas. Aos domingos, passeava de carro com a minha família. O meu pai e um tio-avô meu davam muita importância ao facto de uma pessoa ser proprietária de uma casa. Talvez por isso, a minha amiga Maria Antónia era dona das casas que eu queria. Eu apontava para uma casa e dizia «aquela casa é da Maria Antónia». Foi esta a única amiga de fantasia que inventei. Mas, no colégio, não me socorria dela. Era só para os passeios de carro aos domingos.

Foi a sua mãe que a obrigou a ir para um colégio de freiras? [Mónica, 8.º 5.ª]
Sim, o meu pai preferia a escola da Câmara.

Quando era pequenina, tinha a noção do que era uma freira e já sabia se queria ser freira? [Mónica, 8.º 5.ª]
Tinha ideia que era uma pessoa que rezava muito, e eu gostava muito de rezar.

Quando era nova, gostava de ler? Se sim, foi isso que a inspirou a ser escritora? [Francisco, 8.º 6.ª; Pedro M., 8.º 6.ª]
Quando era nova gostava muito de ler e de ouvir ler. O que me levou a ser escritora foi os professores de Português apreciarem o que eu escrevia.

Qual o projecto de vida que gostaria de realizar? [Cátia, 8.º 6.ª]
Ser autónoma, do ponto de vista financeiro.

Fiz uma pesquisa e descobri que tem uma paixão por gatos. O que mais a fascina nessa espécie? [Mário, 8.º 6.ª]
Gosto muito de animais. Odeio touradas. Tenho pena de não ter sido habituada a ser vegetariana. Os gatos, que são os animais com quem tenho vivido, dão-me muito carinho e ajudam-me a ser uma pessoa mais equilibrada.

O facto de ter frequentado dois colégios de freiras influenciou a sua forma de escrita, transmitindo a sua religiosidade para o que escreve? [Mário, 8.º 6.ª]
Sim. O facto de ter tido uma infância religiosa foi capital.

Porque não socializava com os colegas? [João Af., 8.º 6.ª]
Por ser filha única e por viver num ambiente doentio.

Porque se considera uma mulher que está em «água no estado gasoso»? [João Af., 8.º 6.ª; Joana A., 8.º 1.ª]
Porque a Adília Lopes é muito alegre e forte e eu associo o estado gasoso à alegria e à vitalidade.

Em pequena, alguma vez pensou que viria a ser escritora? O que imaginava vir a ser? [Ana S., Afonso, 8.º 6.ª; Eliana, 8.º 1.ª; André, Tereza, 8.º 2.ª; António, 8.º 3.ª]
Em criança queria ser mãe e ter muitos bebés. A partir dos 10 anos, tive a ideia de ser escritora.

Projectos para o futuro? [António, 8.º 6.ª]
Encontrar um trabalho, ou trabalhos, remunerados. Escrever poemas é escassamente remunerado. A pensar nisso, e a pensar que a fonte dos poemas secou, espero encontrar trabalhos que não tenham a ver com a escrita.

Vive intensamente cada dia da sua vida? [João Tomás, 8.º 6.ª]
Sim.

Ao fim destes anos todos, qual a sua retrospectiva de vida? [João Tomás, 8.º 6.ª]
Tem sido uma vida bem vivida. Sou uma felizarda. Muitos sonhos não os realizei. Mas o que mais quis consegui.

Por que razão refere na sua biografia o seguinte: «Sou linguista (somos todos)»? [Pedro G., 8.º 6.ª]
Sou linguista por formação universitária, mas qualquer pessoa que usa uma linguagem humana é linguista. Se o não fosse, não conheceria o código.

Porque levou o colégio de freiras como uma experiência tão agonizante? Começou a odiá-lo aos poucos ou rejeitou-o desde princípio por alguma razão de preconceito ou familiar? [Tiago, 8.º 6.ª]
Detestava o colégio porque me sentia desprotegida.

Reparei que, em alguns dos seus poemas, afirma ser tudo menos freira; sente algum orgulho em provar que o colégio não teve importância para si, ou é apenas uma maneira de se vingar das pessoas que lá estavam? [Tiago, 8.º 6.ª]
Eu não digo que não sou freira, pelo contrário. Há uma coisa que tenho de esclarecer. No meu texto, digo que tinha medo à freira. Isto não é verdade. Li, ou ouvi, o que outra escritora, que admiro muito, Maria Velho da Costa, disse a respeito de um colégio de freiras por ela frequentado. Ela é que fala de medo à freira. Eu nunca tive uma má experiência com freiras. O colégio era muito grande e muito longe da minha casa. Não era por causa das freiras que eu não me sentia lá bem.

Quando tinha a nossa idade, lia muitos livros e gostava de escrever, ou nem por isso? [Carolina, 8.º 6.ª]
Gostava muito de escrever, escrevia muito, na escola e em casa. E lia muitos romances.

Quando é que se apercebeu de que a sua vida estava ligada à escrita e, mais especificamente, à poesia? [Ana M., 8.º 6.ª; Alexis, Ricardo, João G., 8.º 1.ª; Laura, Francisco, 8.º 3.ª]
Aos dez anos, quando descobri que tinha prazer em escrever.

Que opinião tem do governo de José Sócrates — acha que as medidas até agora tomadas, sobretudo para combater o aumento do défice (que é o assunto mais comentado e que mais influenciou a vida dos portugueses), são acertadas ou não precisavam de ser tão drásticas? [Gonçalo, 8.º 5.ª]
Neste momento, estou muito pouco informada sobre tudo. Devia voltar à escola. Não sei como me informar bem sem ficar horrivelmente amedrontada.


A IMPORTÂNCIA DA ESCRITA

Para si, ser escritora é: ... [Elizângela, 8.º 1.ª]
Ter prazer em escrever.

Conseguiria viver sem a escrita? [Catarina, 8.º 1.ª]
Não é impossível deixar de escrever textos literários. Consigo viver com o que já escrevi e com os textos literários dos outros.

Antes de escrever os poemas, faz rascunhos? [João G., 8.º 1.ª]
Não.


Escreve os seus livros com facilidade? [Eliana, 8.º 1.ª]
Não. Às vezes, é muito difícil. Ando a engonhar.

Se não conseguir acabar um livro no prazo devido, que faz? Consegue reagir e esclarecer a situação? [Eliana, 8.º 1.ª]
Sou lenta a reagir. Mas sou positiva. Esclareço a situação. No entanto, houve projectos de livros que nunca consegui concretizar.

Costuma demorar muito tempo a fazer versos ou sai-lhe tudo de uma vez? [Joana G., 8.º 1.ª]
Sai-me tudo de uma vez. Depois burilo.

Escreve esporadicamente ou diariamente? [João, 8.º 2.ª]
Escrevo poemas esporadicamente.

O que é preciso fazer para se ser uma boa escritora? [Susana, 8.º 3.ª]
Ser fiel a si própria.

Para escrever os poemas inspira-se em alguma coisa em especial ou, quando lhe vem à cabeça, escreve? [Luís, Rita, João F., Bruno S., Ana, Joana D., 8.º 5.ª; Joana G., Daniel, Patrícia, Brigitta, João F., Paula, Inês, 8.º 1.ª; André, João, Miguel, 8.º 2.ª; Silvana, Susana, Mafalda, Pedro V., 8.º 3.ª; Joana A., Ana M., Pedro G., João Tomás, Pedro M., Ana S., Joana L., 8.º 6.ª]
Quando me vem à cabeça, escrevo.

Pretende comunicar alguma mensagem com o que escreve? [Luís, 8.º 5.ª]
Uma atitude positiva em relação à vida.

O que significa para si a palavra «poema»? [Mariana, 8.º 5.ª]
Um ditado interior feito de palavras que toma forma gráfica no papel.

Ao criar um poema, fá-lo porque tem de o fazer (mesmo não estando inspirada) ou acredita que as palavras lhe têm de sair da alma? [Mariana, Filipe, 8.º 5.ª]
Acredito que as palavras me têm de sair da alma. Acredito na inspiração.

Onde escreve os seus livros? [Filipe, Ana, Tiago, 8.º 5.ª; Susana, Laura, 8.º 3.ª; João, 8.º 2.ª; António, 8.º 6.ª]
Em casa, nos cafés. Em espaços que habito quotidianamente. Era-me impossível, por exemplo, aceitar uma bolsa para escrever no estrangeiro.

Por exemplo: está na cama e não consegue adormecer e pensa numa frase para um poema; não hesita e levanta-se para escrever? [Joana F., 8.º 5.ª]
Antigamente, fazia isso. Agora, já não faço.

Costuma falar muitas vezes sobre a família nos poemas? [Ana, 8.º 5.ª]
Sim.

Já pensou em escrever outra coisa sem ser poemas, como, por exemplo, contos infantis? [Francisco, 8.º 6.ª]
Já pensei. Pensei escrever contos infantis, mas acho que não sou capaz, porque não tenho contacto com crianças.

Acha que a poesia modifica de algum modo uma pessoa? [Sara, 8.º 6.ª]
Acho que a poesia é vital — sem poesia não vivo.

Acha que a poesia nos faz fugir da realidade? [Sara, 8.º 6.ª]
Não, pelo contrário.

O que sente quando escreve? [Ana S., 8.º 6.ª]
Força, energia.

Ser escritora é uma forma de se dar a conhecer ao mundo ou de dizer coisas que não pode dizer nem ao melhor amigo? [Pedro M., 8.º 6.ª]
É uma maneira de fazer inscrições.

Se lhe pedissem para descrever um escritor em três palavras, quais escolheria? [Carolina, 8.º 6.ª]
Intimidade, percurso, perda.

Quando escreve, aproveita imediatamente o texto ou vai trabalhando esse texto durante muito tempo? [Micaela, 8.º 6.ª]
Acontecem as duas coisas. Mas tenho de trabalhar o texto no imediato.

Costuma escrever os seus textos directamente no computador, máquina de escrever... Qual é o seu método? [Micaela, 8.º 6.ª]
Escrevo à mão e depois passo à máquina.


ADÍLIA LOPES E OS SEUS LIVROS

Porque fez dois livros em prosa, A Bela Acordada e Irmã Barata, Irmã Batata? [Paula, 8.º 1.ª]
Há textos que têm um fôlego maior. São escritos em períodos, não em versos.


Recebe muitas cartas de pessoas que gostam dos seus poemas? [João G., 8.º 1.ª]
Não.

Porque deu o título de Florbela Espanca espanca a um dos seus livros? [Rúben, 8.º 1.ª]
Penso hoje que é um mau título. Era uma brincadeira com o nome da poetisa dos Sonetos de amor. Era só isso. Como não gosto de violência e como acho que a brincadeira tem pouca graça, não gosto hoje desse título. Hoje, não gosto de três títulos meus: Florbela Espanca espanca; Obra; Poemas Novos.


Como é que o público a costuma abordar na rua? Conseguem-na reconhecer só daquelas fotografias pequenas que costumam vir na capa dos seus livros? [Inês L., 8.º 1.ª]
Apareci na televisão algumas vezes. Há pessoas que ainda se lembram. Na rua, nunca tive experiências desagradáveis. Pelo contrário. Perguntam-me «É a Adília Lopes, não é?». Conversam um bocadinho comigo. Às vezes, pedem-me um autógrafo.

Se pudesse voltar atrás, alteraria alguma coisa num dos seus livros? [Alexis, 8.º 1.ª]
Acrescentava um final diferente a um conto e suprimia alguns poemas.

As pessoas reagem bem às suas obras? [Joana, 8.º 2.ª]
Às vezes, ficam chocadas.

Quando escreveu o poema «Como uma estrela», do livro Um jogo bastante perigoso, qual foi a sua principal inspiração? [Cláudia, 8.º 2.ª]
O poema «A propósito de estrelas» — penso que é a esse que se refere — tem como inspiração o facto de me ter apaixonado aos 12 anos por um rapaz que gostava de letras. No poema, aparecem estrelas e não letras. Conheci um rapaz que gostava de estrelas, mas não me apaixonei por ele, mas também pensei nele ao escrever o poema.

Já alguma vez escreveu um texto, em prosa ou em verso, que criticasse alguém importante? [Carolina, 8.º 2.ª]
Já. Não gostei de o fazer. Considero esses textos exercícios de estilo.

Tem alguma obra que seja totalmente o seu auto-retrato? Qual? [Marta S., André, 8.º 2.ª; Catarina, 8.º 1.ª; André, 8.º 3.ª]
Talvez O Marquês de Chamilly (Kabale und Liebe) seja o que me retrata mais fielmente.



Dos poemas que já escreveu algum já foi por experiência própria? [Marta G., 8.º 2.ª]
Todos foram por experiência própria, o que não quer dizer que tudo deva ser tomado à letra.

Compensa viver da escrita em Portugal? [André, 8.º 2.ª]
Monetariamente, não compensa. Socialmente, penso que pode ser gratificante.

Actualmente, está a escrever alguma obra? E, habitualmente, escreve todos os dias? [Miguel M., 8.º 3.ª]
Um livro novo. Escrevo o meu diário todos os dias. Estou parada, neste momento, porque acabei de escrever.

O que sentiu quando viu o seu primeiro livro editado? [Mafalda, 8.º 3.ª]
Fiquei muito contente.

O que acontece quando acabamos de escrever um livro? [Simão, 8.º 3.ª]
Quero que seja publicado. E, se não gosto dele, quero deitá-lo fora porque não quero que o leiam.

O conteúdo dos seus livros está baseado em acontecimentos verídicos ou os factos que refere fazem parte da sua imaginação? [António, 8.º 3.ª; João, 8.º 2.ª]
Não posso dizer que use a imaginação. Uso sempre coisas que têm muito significado para mim. Às vezes, aconteceram-me, outras vezes, são citações de livros ou de filmes. Nunca gosto de inventar nem de mentir.

Porque falam de amor muitos dos seus poemas? [Silvana, 8.º 3.ª]
O amor é muito importante para mim. Senti-me muitas vezes privada de amor. Isso pesa.

Quando publicou pela primeira vez algo da sua autoria, fê-lo por livre iniciativa ou partiu tudo de uma proposta? [Mariana, 8.º 5.ª]
Partiu tudo de mim. Mas mostrei o que escrevia a algumas pessoas que valorizaram os meus textos.


Qual foi o livro que mais gostou de escrever? [Patrícia, Bruno, Catarina, Paula, Nuno, 8.º 1.ª; Tereza, 8.º 2.ª; Susana, António, 8.º 3.ª; Carlota, Catarina, Cláudia, 8.º 5.ª; Cátia, Luís, 8.º 6.ª]
Foi A Continuação do Fim do Mundo.

Qual é o seu texto preferido de todos os que escreveu? [Rui, 8.º 5.ª; João M., Cátia, 8.º 6.ª]
Não sei. Gosto muito dos quatro livros que publiquei nos anos 80, a seguir a ter publicado o meu primeiro livro.

Quando tem um livro seu já editado nas mãos, o que é que sente? [Joana F., 8.º 5.ª]
Sinto que cumpri um dever. Um dever que me tem dado prazer.

Quais são os assuntos de que fala nos seus poemas? [Bruno S., 8.º 5.ª]
Tenho a impressão de que falo sempre da minha relação com o mundo e com Deus. Quando falo de mim, é dos outros que falo.

Tem alguns livros com linguagem um pouco «imprópria»: não tem medo de que os seus livros não sejam bem aceites na sociedade? [João F., 8.º 5.ª; Daniel, Joana G., Rúben, Bruno, 8.º 1.ª; Pedro G., 8.º 6.ª; Luís, 8.º 6.ª]
Tenho medo que inspirem mais violência do que a que já existe. Talvez hoje não tivesse escrito essas palavras.

Está a escrever algum livro agora? [Soraia, 8.º 5.ª]
Agora estou parada. Há uma trilogia teatral que nunca consegui escrever. E há também uma autobiografia romanceada que nunca consegui escrever. Ambas têm título. A trilogia teatral chama-se A caixa em Tóquio, que é o nome de um paradoxo de Mecânica Quântica. A autobiografia romanceada chama-se Notícia de Torto, que é como se costuma chamar a um dos textos mais antigos em Português.

Porque fez poemas mais ousados (como alguns que estão no livro Caras baratas)? [Marta, 8.º 5.ª; Joana, 8.º 2.ª]
Talvez por uma necessidade, juvenil ou senil, de me afirmar sexualmente.

Os poemas que escreve têm alguma coisa a ver com a sua vida? [Marta, 8.º 5.ª; João 8.º 2.ª]
Têm tudo a ver com a minha vida. Escrevo isto e reparo: mas a minha vida é outra coisa e é mais.

Há algum tema universal que lhe interesse para fazer poemas acerca dele? [Bruno D., 8.º 5.ª]
A necessidade de ganhar dinheiro e a morte.

Qual o pensamento que lhe vem à cabeça, quando acaba um livro? [Bruno D., 8.º 5.ª]
Sinto alívio e satisfação. Penso nisto: «tenho de reler tudo com muito cuidado».

Em aula, o professor Luís Prista distribuiu-nos alguns livros para que lêssemos alguns dos seus poemas (seria depois eleita a melhor leitura). Reparei, ao serem lidos certos versos, que havia uma certa ligação à sexualidade e a desejos sexuais. O que a leva a escrever poemas deste tipo? [Joana L., 8.º 6.ª; Silvana, 8.º 3.ª; Miguel, 8.º 2.ª]
A sexualidade é fundamental.

Desde que idade é que publica os seus poemas? [Sara, Paulo, 8.º 6.ª; António Pedro, 8.º 3.ª]
Como Adília Lopes, desde os 24 anos. Tenho poemas publicados desde os 11 anos, talvez.

Porque têm alguns livros seus poemas tão pequenos? [Luís, 8.º 6.ª]
O que tinha a dizer não precisava de mais palavras. Uma vez que escrevo sem constrangimentos externos, o texto, ao escrever-se, delimita a sua extensão.

Porque varia no tipo de poesia de livro para livro, podendo ter num frases que são profundas e sem nenhum toque de dor e ter noutro livro poemas que aludem à morte e ao sexo? [Tiago, 8.º 6.ª]
Ao longo da vida (tenho 45 anos), e mesmo ao longo de um só dia, vou desde fantasias de suicídio a fantasias de alegria. Penso que isso é humano, não é uma particularidade minha.

Publicar o primeiro livro foi difícil? [Afonso, 8.º 6.ª]
Foi muito difícil. Não encontrava editora. Abordei três editoras, que recusaram. Paguei a edição do meu primeiro livro do meu próprio bolso.

A sua vida mudou drasticamente desde a publicação do seu primeiro livro? [Ana M., 8.º 6.ª]
Sim. Passei a ter uma identidade, até mesmo uma identidade sexual.

Quantos livros escreveu no espaço de um ano? E no menor espaço de tempo? [João M., 8.º 6.ª]
Escrevi, em média, um livro por ano. O livro que me levou menos tempo a escrever foi o meu segundo livro, O poeta de Pondichéry; levei dois meses a escrevê-lo.

Que sente quando a criticam negativamente? [Joana A., 8.º 6.ª]
Sinto-me amachucada e furiosa. Às vezes, dou razão às críticas negativas.


OUTROS ESCRITORES, OUTROS LIVROS

Que tipo de relação tem com outros autores? [João G., 8.º 1.ª]
Distância, adesão, repulsa.

Quais são os seus poetas de eleição? [Joana, 8.º 2.ª; Cátia, 8.º 6.ª]
Cesário Verde, Verlaine, Rimbaud, Philip Larkin, Ruy Belo, Fernando Pessoa (Alberto Caeiro), Sophia de Mello Breyner Andresen, Adélia Prado, Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto.

Que acha da literatura portuguesa hoje em dia? [Catarina, Marta S., 8.º 2.ª]
Penso que continua a haver muito bons autores.

Qual é o seu livro preferido, o livro de que mais gostou? [Pedro V., Francisco, 8.º 3.ª]
Não tenho, talvez, um livro preferido. Gosto muito de O homem sem qualidades, de Robert Musil, e de Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust.

Qual é o seu escritor preferido? [Laura, Pedro V., 8.º 3.ª]
Gosto muito de Marcel Proust. E também gosto muito de Robert Musil.

Apesar de ser uma grande escritora, qual foi o escritor que sempre a impressionou? [André, 8.º 3.ª]
Mais perto de mim, foi Sophia de Mello Breyner Andresen. Mais longe no tempo, muito mais longe, os escritores, que não são escritores, que realmente me impressionam são os quatro evangelistas: S. Lucas, S. Marcos, S. Mateus e S. João.

Como é que começou a sua paixão pela leitura? [Rui, 8.º 5.ª]
Ao ouvir ler — para mim e em voz alta — a minha avó materna e a minha mãe. Elas liam-me livros da Condessa de Ségur e de Enid Blyton.

Como comenta os êxitos de vendas de livros de jovens escritores de «high fantasy», como Eragon, de Cristopher Paolini, ou a colecção Crónicas de Allarya, do português Filipe Faria? [Gonçalo, 8.º 5.ª]
Vivo um pouco fora do mundo. Não sei do que está a falar. Lamento. [Nota: Depois de lhe descrever o género de textos de que se trata, Adília considerou que, para seu gosto, talvez fossem demasiado narrativos.]

O livro O Código Da Vinci conseguiu alterar a sua opinião sobre a igreja católica? [Gonçalo, 8.º 5.ª]
Não li esse livro.

Qual é o seu poeta preferido? E porquê? [Mário, 8.º 6.ª]
O preferido é Cesário Verde. Por ser muito conciso. Por usar sinestesias. Por estar atento à vida comum. Mas, apesar de ser o meu preferido, acho-o muito altivo e gosta de coisas de que eu não gosto.

Tinha algum escritor em que se baseasse? [Paulo, 8.º 6.ª]
Tinha vários. Sophia de Mello Breyner, Ruy Belo, Sylvia Plath, Nuno Bragança.

Conheceu José Gomes Ferreira? [Pedro P., 8.º 3.ª]
Vi-o a dar autógrafos na Feira do Livro, quando a Feira do Livro era na Avenida da Liberdade. Pedi a uma amiga que lhe pedisse um autógrafo para mim. Eu era muito tímida na adolescência. Isto passou-se pouco depois do 25 de Abril. Ainda hoje tenho o livro com o autógrafo que ele me deu, isto é, que deu à minha amiga. Quando tinha a vossa idade, lia muito José Gomes Ferreira e imitava-o. Refiro-me à poesia dele. A dedicatória é a seguinte: «Para Maria José Oliveira / Com a simpatia do / José Gomes Ferreira / 1978». O livro é Poeta Militante, 2.º volume, Círculo de Poesia, Moraes Editores, Lisboa, 1978.


Clicar para ler outra entrevista a Adília Lopes (por Carlos Vaz Marques).
Clicar para ver «Portugal, país de poetas?» (Portugalmente), com Adília Lopes (18'; 24'40).