Sunday, September 16, 2007

10.º 2.ª

A pouco e pouco, irei pondo aqui os bibliofilmes do 10.º 2.ª. A seguir a cada filme, uma sua avaliação.
Jorge (Henry Thomas & Dana Lee Thomas, Vidas de grandes compositores)

Jorge (16) Henry Thomas & Dana Lee Thomas, Vidas de grandes compositores Leitura, dicção Boa, muito mais natural, mais pausada, do que outras leituras do Jorge. Problema a corrigir: por vezes entoação segue demasiado a pontuação escrita (convém ter em conta que a pontuação não é toda para ser dita). Boa pronúncia dos nomes dos compositores. Relação com a obra. Mostra-se o livro, apostando-se numa série de aspectos paratextuais (a capa, número de páginas, introdução, os capítulos, as súmulas de cada capítulo, as efígies que ilustram cada abertura de capítulo). É um resumo simples e arrumado. Escrita Sintaxe sempre certa. Clareza. Grau de formalidade apropriado. Reparo: concretizar mais a adjectivação: «bom livro»; «pessoas importantes». Erros: «Cada biografia é delimitada por seis capítulos» devia ser «Cada biografia está dividida em seis capítulos»; «Foi dos compositores que mais obras criou» seria «[...] criaram». Regras Cumpre todas.

Francisco Ch. (George Orwell, 1984)

Francisco Ch. (14-14,5), George Orwell, 1984 Leitura, dicção Não há erros, nem mesmo atrapalhações, mas não ficaria mal maior vivacidade. Relação com o livro Trata-se, essencialmente, de sinopse da intriga; usam-se em fundo imagens do filme homónimo, salvo erro. Escrita A crítica que faria é que se sobrevaloriza o enredo, as peripécias, quando, em tão tão poucos minutos, era talvez preferível focar os aspectos ideológicos ou ilustrar a intriga de forma descontínua (como se faz num trailer ou numa sinopse de contracapa). Regras São diapositivos, não filme.

Pedro G. (Mia Couto, Idades, cidades, divindades)

Pedro G. (16-16,5) Mia Couto, Idades, cidades, divindades Leitura, dicção Uma crítica se pode fazer: na parte em off, algumas vezes houve excessiva «pontuação» (é preciso ter presente que, na transposição para leitura em voz alta, nem sempre a pontuação escrita corresponde a pontuação oral); e pareceu-me ouvir um «jornalista» por «jornalistíca». Entretanto, na parte em conversa (a segunda parte do bibliofilme) é muito boa a naturalidade conseguida. Relação com livro É um clip como dantes se fazia nos programas de televisão coordenados por algum escritor ou intelectual (notícia bibliográfica e aproximação à obra, mesmo em termos de espaço; parte em off, em peça prévia, seguida de diálogo sobre a obra, às vezes em entrevista no estúdio). Resulta tudo muito profissional (e não era fácil). Escrita Guião é bom, implica boa organização, planificação. Parece haver um erro num dos diapositivos: «eminência» por «iminência» (são parónimas, mas esta é que seria: ‘proximidade’, ‘urgência’); ou foi Mia Couto que quis mesmo rasteirar-nos e o sentido era ‘grandeza’? «Conhecido(s)» é demasiado repetido. E não é verdade que os neologismos de Mia Couto tenham sido pouco estudados (como se poderia inferir de uma frase a certa altura); há bastante investigação sobre o assunto (de Fernanda Cavacas, por exemplo). Regras Cumpre todas (tempo é exactamente 3,14, o máximo estipulado).

Marta (Ted L. Nancy, Cartas de um louco)

Marta (16) Ted L. Nancy, Cartas de um louco Leitura, dicção Correctíssima (embora, tratando-se de trailer, não ficasse mal um pouco mais de convicção, vivacidade; e a pronúncia «v[i]zinho» é artificial — lisboetas, diremos «v[e]zinho», «m[e]nistro», etc.). Relação com livro É trailer. Faz-se leitura de trechos de cartas. (Creio que era possível fazer abordagem mais criativa. Por exemplo, criando outras cartas igualmente absurdas. E, se o que se pretende é chamar a atenção — é a função do género de texto em causa —, um elenco dos próprios assuntos, extraordinários, das cartas era melhor estrutura para o trailer.) Escrita Sempre bem, mas, em termos de «risco» tomado, aquém das capacidades da Marta. Um texto sobre um texto irónico merecia ser mais brincalhão (o que não é fácil, é verdade). Não se faz referência a Jerry Seinfeld, decerto o verdadeiro autor do livro. Nos diapositivos evitaria a dupla exclamação ou interrogação (é um sinal que não existe: ou uma exclamação ou três, o que já é bastante infantil); aparece uma vez «Jed» (por «Ted»); «que, certamente,» tem de ter vírgulas (na posição em que está o advérbio não pode ficar sem elas). Regras Cumpre todas.

Miguel (Gonçalo Cadilhe, A Lua pode esperar)

Miguel (16) Gonçalo Cadilhe, A Lua pode esperar Leitura, dicção Ainda que bastante razoável (sem problemas de entoação ou de pontuação), é a área que é menos forte. Às vezes, a pressa — ou, talvez mais, certa maneira displicente típica da pronúncia do dialecto de Lisboa — leva a que as palavras, ou as sílabas, percam definição, se acotovelem um tanto. Ouvi duas más pronúncias: «Cadilhe» (não «C[á]dilhe»); não se diz o «c» em «actualmente». Relação com o livro Depois de apresentado o autor, mostra-se-nos o livro, muito arrumadamente, resumindo o que se encontra em cada parte. Escrita É tudo claro. Há a preocupação de dar a conhecer e procura-se que o leitor (aliás, quem assista ao filme) disponha dos elementos necessários. Esta preocupação com a recepção do que escrevemos é muito importante nas boas redacções. Frases que se podiam melhorar: «livro beneficiaria de o autor» (e não «beneficiaria se o autor»); e há algures um «onde» que não pode ligar as frases em causa. Regras Pode fazer-se um reparo ao facto de ser justaposição de diapositivos (e não exactamente filme).

Bernardo (Ernest Hemingway, O velho e o mar)

Bernardo (14,5) Ernest Hemingway, O velho e o mar, trad. de Jorge de Sena Leitura, dicção Resulta bem a voz de Bernardo assim ouvida. A entoação é, em geral, boa, havendo apenas um momento — que corresponde ao culminar da luta com o espadarte — em que se hesitou na pontuação correcta (foi a emoção, decerto). Relação com livro Faz-se resumo, sinopse, da história, intercalado com trechos do livro (salvo erro). Tenho pena que não se tenha escolhido outro livro, já que esta foi uma obra lida no 9.º ano (e um dos objectivos era conhecer novos livros). Escrita Não notei falhas, mas, se não me engano, o texto funda-se bastante em textos do próprio livro ou da ensaística sobre o mesmo. Regras Cumpre todas. Talvez a câmara devesse estar mais parada (mas, assim, consegue-se mimar o balancear do barco de Santiago).

Inês (Alberto Caeiro, Eu só penso no Sol)

Inês (17,5) Alberto Caeiro, Eu só penso no Sol Leitura Trata-se de leitura semi-representada; e sempre bem feita, como se comprova por, sem perder expressividade e ênfase, ser natural, não nos parecer fingida. Uma má pronúncia porém: em Lisboa, pelo menos, dizemos «poesia» com as vogais pré-tónicas mais reduzidas. Relação com a obra Livro a que o bibliofilme alude surge como se a autora com ele se encontrasse por um bom acaso. O conhecimento com que ficamos do poeta vem da leitura do texto; mas o formato do livro (simples e despojado [já agora, numa edição que é pouco rigorosa]), o título do manual de Filosofia (Pensar Azul) e a calma optimista que atravessa todo bibliofilme são também à Caeiro. Escrita Texto foi muito bem planificado. É uma pequena história de como se pode ler: um manual de uma disciplina muito menos importante do que o Português, um relance a um texto aí, busca de outro livro em que esteja aquele excerto, descoberta de muitas lombadas na estante, escolha de um livro, pesquisa em dicionário de palavra que a leitura sugeriu, regresso ao manual de filosofia (quando se devia era estudar Português). Um erro: como explicámos em aula mais do que uma vez (texto de Luísa Dacosta e prova do CLP), «solarengo» é ‘relativo a solar’ (substitua-se, portanto, por «soalheiro»). Regras Cumprem-se todas.

Sara C. (David Lodge, Notícias do Paraíso)

Sara C. (16,5) David Lodge, Notícias do Paraíso Leitura Bastante boa, talvez, na segunda parte, um pouco prejudicada por aparente pressa (que, pensando bem, não tem que ver com a velocidade, que não seria excessiva, mas com a dificuldade de gerir uma sintaxe que é mais da escrita do que preparada para a narração). Relação com o livro Conserva-se tema do livro original e estilo de escrita de Lodge; cria-se um texto (que, visto assim solto, podia ser uma crónica sobre «aeroportos» ou «viagens»). Escrita Boa. O estilo quase humorístico de Lodge não é conseguido na íntegra, mas o texto é agradável de ouvir e tem ironia (e não desastrada, o que não é nada fácil), embora sem o profissionalismo que exige este tipo de «guiões para humor». Erro (que acontece em dias ocasiões): «aperceber de que» é melhor do que «aperceber que». Regras Cumpre todas.

Joana O. (Sophia de Mello Breyner Andresen, Ilhas / ...)

Joana O. (17) Sophia de Mello Breyner Andresen, Ilhas /.... Leitura Muito boa. Relação com o livro Se bem percebo, os poemas de Sophia são mera inspiração inicial para textos escritos por Joana. Também me parece que, em vez de um livro, são pelo menos três aqueles a que se alude: Ilhas, Navegações, Coral. Escrita Está bem redigido o texto, intimista, tenha ou não intercalado passos de Sophia. Só notei uma frase feita («certas e determinadas coisas»), que resulta pouco poética, e um lugar comum («o tarde pode ser demasiado tarde»), que parece má poesia. Regras Cumpre todas.

Catarina T. (Grandes viagens marítimas)

Catarina T. (16,5-17) Grandes viagens marítimas Leitura É bastante boa, tanto mais que inclui trechos em português não-contemporâneo e não se notaram aí erros na pronúncia ou na entoação. Quase no final há um «Domingos» (em vez de «Domingues»), mas não sei se é falha de leitura ou de escrita. Relação com livro A estrutura é aproximadamente a de notícia sobre livro, e recomendação de leitura, em programa de televisão. Escrita Houve cuidado na planificação, que inclui momentos em que surge a própria autora do bibliofilme, outros em que são lidos trechos do livro, outros em que há comentário escrito pela autora. Isto torna o conjunto fácil de seguir, apesar de o texto ser relativamente denso. Um único erro de redacção: «*Justifica-se porque é que» (‘justifica-se isto ou aquilo’; ou ‘diz-se por que motivo’). Regras Cumpre todas.

Alexis (Woody Allen, Pura anarquia)

Alexis (15,5) Woody Allen, Pura Anarquia Leitura Neste caso, trata-se de exposição oral, em grande parte memorizada (aqui e ali quase conversada), mas não leitura (enfim, creio que há uma zona ou outra em que há uma espécie de teleponto, logo leitura). Dada a especial dificuldade de dizer assim um texto, tem de se reconhecer que o Alexis se sai bem da tarefa (embora, a meio do filme, tenda a dizer o seu texto com talvez demasiada velocidade, como com medo de dele se esquecer). Só na parte em que lê exemplos do livro é que tinha obrigação de estar um pouco melhor. Relação com o livro Segue-se um percurso pertinente: razões da escolha do livro; dados sobre o autor; estilo dos textos; exemplos; recomendação. Escrita Nota-se quando a redacção se funda mais em trechos de outros (do paratexto do livro ou da net, talvez) do que em texto próprio (perde a apresentação naturalidade). As ligações — partes indiscutivelmente suas — resultam melhor. No início, pareceu-me haver um «descrevendo textos de humor» (por «escrevendo»). Regras Demora mais dois minutos do que o combinado.

Francisco D. (Christopher Paolini, Eragon)

Francisco D. (13) Christopher Paolini, Eragon Leitura Boa Relação com o livro Começo por dizer que recomendara livros de outro tipo: não queria que para este trabalho lessem livros infanto-juvenis. De resto, faz-se uma sinopse da história. (Teria preferido abordagem mais criativa.) Escrita É, no essencial, o texto que está na badana do livro. (Haveria que fazer texto mais pessoal.) Regras Cumprem-se todas, excepto a que implicava escolher livro literário.

Francisco F. (Vergílio Ferreira, Aparição)

Francisco F. (13) Vergílio Ferreira, Aparição Leitura Demasiado rápida (dada essa velocidade, até se deve reconhecer que é meritório não haver falhas de pronúncia, repetições, trocas e a entoação ser boa; mas é realmente muito excessiva a rapidez da leitura). Relação com o livro É um resumo/comentário literário: ao mesmo tempo que se resume o texto, vai-se revelando a sua estrutura em termos literários. (Mas eu defenderia uma abordagem menos colada ao próprio livro ou, pelo menos, menos descritiva.) Escrita O texto está bem escrito (não me apercebi de nenhum erro ou má construção), mas ter-se-á fundado no que acerca de Aparição se tem escrito. Ora eu preferia um texto mais livre, menos convencional. Regras Trata-se de imagens fixas, não de filme propriamente dito.

Carlota (Fernando Pessoa, Poemas)

Carlota (17) Fernando Pessoa, Poemas [por problemas técnicos que até agora não consegui resolver, nesta reprodução não se vêem os últimos quarenta segundos do filme] Leitura Bastante boa, sobretudo na parte do texto criado pela autora. Já na leitura do poema de Pessoa, acho discutíveis algumas das pausas (não se pode separar «em que está indistinta / A distinção»; e não faria pausa de «Livros» para «são»). No verso 9 houve lapso: «O rio corre, bem ou mal» é que é. Relação com livro Escolheu-se um poema, o célebre «Liberdade», e aproveita-se o seu tema como leitmotiv da primeira parte do filme, uma espécie de variação do texto pessoano tomada em termos autobiográficos; vem a seguir a leitura do texto de Pessoa (que era irónico, é preciso lembrar, já que respondia a discurso de Salazar; o engraçado é que «o melhor do mundo são crianças», que ficou como defendido pelo poeta, era alusão irónica — seria a visão de Salazar, que, por essa altura, defendera que os intelectuais eram preguiçosos a que não se devia dar crédito, o que enfurecera Pessoa). Crítica que se pode fazer é que o bibliofilme não alude ao resto do livro. Escrita O filme mostra que a Carlota tem um sentido apurado de como, na concepção de um filme, se podem conjugar escrita, imagem, música. Texto inicial é muito bom e, sobretudo, há um trabalho, criativo, de selecção de imagens e montagem que beneficia toda a redacção. Talvez haja aqui um erro: «aquilo que me irradia a alma» não me parece boa sintaxe. Regras É pena que faltem aqui os quarenta segundos finais.

Catarina F. (Miguel Torga, Poesia Completa-II)

Catarina F. (15,5) Miguel Torga, Poesia Completa, II Leitura Bastante boa — com dicção, entoações e velocidade certas. (Há raros momentos em que fica demasiado clara a pontuação escrita, que, como se vê, não tem de ser sempre dita: anotei uma pausa a seguir a um «e,» que, na oralidade, me parece artificial; e também um «mas,» cuja vírgula — neste caso, mesmo na escrita — não devia ocorrer.) Relação com livro É o aspecto mais contestável: o filme debruça-se sobre um poema, mas não se estabelece clara relação com o resto da obra. Escrita Antes de se ler o poema que serve de inspirador, há um texto da autora, bem escrito, sobre o mesmo tema, a despedida. Erros: «solarento» talvez pudesse ser subsituído por «soalheiro». Evitaria recorrer a «bastante» (embora eu próprio a use em cima), porque me parece ser palavra pouco poética. «É como se tudo estivesse previsível e que nada podemos mudar» ficava melhor assim: «É como se tudo fosse previsível e nada pudéssemos mudar» Regras São imagens fixas (não filme).

Tiago (Gonçalo Cadilhe, No princípio estava o mar)

Tiago (14-13,5) Gonçalo Cadilhe, No princípio estava o mar Leitura Bastante eficiente. Não noto falhas que possa aqui assinalar (houve, como sei, muito rigor na preparação da leitura), a não ser uma pausa numa mudança de página, se não me engano. Relação com livro São lidos textos da obra, enquanto o tema principal do livro de Cadilhe, o mar e o surf, serve de pano de fundo (ou seja, vai constituindo as imagens que vamos vendo). Escrita É o ponto mais frágil do bibliofilme o facto de não ter algum texto próprio criado, já que o texto lido é sempre o do autor do livro. Também as imagens não foram recolhidas pelo Tiago (o que desvaloriza um tanto essa parte do trabalho; diga-se, no entanto, que as imagens — tiradas da net, provavelmente — ritmam bem o texto lido). Regras Não cumpre a necessidade de ter imagens próprias.

Pedro M. (Álvaro de Campos, Poesias)

Pedro M. (18) Álvaro de Campos, Poesias Leitura Muito boa. Talvez outros tivessem preferido um ritmo menos veloz (até porque essa velocidade é uma dificuldade mais, podia propiciar «tropeções» de pronúncia), mas, na verdade, o ritmo parece-me adequado à ânsia, instabilidade (e, em outros textos, sofreguidão de modernidade) características de Campos. Só notei uma palavra em que houve ligeira hesitação: «libertação» (se calhar, foi um tropeção simbólico). Na minha edição de «Tabacaria», está «À parte isso» e não «À parte disso» (pode ser difrença entre edições, mas talvez seja lapso na leitura). Relação com livro Usam-se trechos de «Tabacaria», o último poema publicado em vida de Pessoa assinado por Álvaro de Campos, e, depois, de «Addiamento», também assinado pelo mesmo heterónimo de Pessoa. Foram ainda intercalados trechos do próprio autor do bibliofilme. Os poemas escolhidos são dos mais introspectivos e de expressão da frustação de Pessoa. Embora o texto não seja dito pela figura que a câmara dá, vai havendo uma representação ao mesmo tempo (e também o resto do que decorre à frente da câmara vai acrescentando sentido ao texto lido em off). As imagens são sofisticadas (o relógio rápido; o choro; o globo; os negros final e inicial; a porta). Escrita Não se nota muito onde começam e acabam as partes efectivamente de Pessoa-Campos e as de Pedro-Campos. Que melhor elogio se pode fazer? Regras O tempo estipulado foi excedido (duração: 5:33); prazo de entrega, também (cerca de um ano).