Sunday, September 16, 2007

10.º 5.ª

A pouco e pouco, irei pondo aqui os bibliofilmes do 10.º 5.ª. A seguir a cada filme, uma sua avaliação.

Filipa A. (Florbela Espanca, Diário do último ano)


Filipa A. (17-17,5) Florbela Espanca, Diário do último ano Leitura, dicção Muito boa. Não há falhas. Certa maneira de pronunciar — destacando bastante as palavras, «silabando» — acaba por ser antídoto contra a excessiva redução do vocalismo átono típica dos portugueses/lisboetas (que prejudicaria a compreensão de quem ouve); esta pronúncia muito audível não impede a naturalidade da leitura do texto. Relação com livro Usam-se inícios de páginas do diário de Florbela Espanca, que são desenvolvidas em texto criado pela autora do bibliofilme. (Há um único lapso: a entrada do dia 16 de Abril é, na verdade, do dia 16 de Março.) Escrita Texto criado é coerente com o ponto de partida, não se notando frases que destoem do estilo da poetisa. (Se não me engano, é preferível «a presença alastra» a «a presença alastra-se».) Regras Excede-se ligeiramente o tempo proposto.

João G. (Christiane F., Os filhos da droga)


João G. (16,5-17) Christiane F., Os filhos da droga Leitura, dicção Boa (notei apenas hesitações/repetições no «ataque de duas ou três palavras). Entoação certa. Embora se pudesse defender que nada se perdia se fosse mais representada, mais expressiva, creio que o estilo sóbrio adoptado é o que vai melhor com as imagens escolhidas (mais dramáticas). Relação com livro Segundo percebo, trata-se de uma nova versão, criada pelo João, do assunto do livro. É uma boa interpretação dos problemas abordados pelo livro em causa (que, tenho de confessar, nunca li de fio a pavio). Escrita Dentro do registo relativamente informal e com gíria — como tem de ser o de um relato pela personagem de que se trata —, redacção correcta. Construção narrativa — quer pelo ritmo do relato quer muito boa montagem — é o ponto forte do filme. Regras Alguns poucos segundos a mais.

Susana (John Grogan, Marley e eu)


Susana (16-15,5) John Grogan, Marley e eu Leitura e dicção Bastante bem e quase sem falhas (um lapso porém: em vez de «surpreendentemente» foi dito «surpreendente»; por outro lado, a melhor pronúncia de «Marley» será «Marl[i]», e não Marl[ei]»). Relação com o livro O género escolhido é o de «trailer» (falta talvez música, que é essencial neste género). Ficamos com uma ideia muito completa acerca do livro. Escrita A estrutura do texto foi bem pensada: tudo está repartido por adjectivos caracterizadores de Marley; a propósito destes, surgem as informações que nos resumem o enredo. Uma falha de sintaxe: «*desde nadar, correr, [...], até outras» («outras» quê? Actividades, decerto). Regras Cumpre todas (o início, filmado com a própria autora, impede até que se diga que se trata sempre de diapositivos).

Tiago (Bethany Hamilton, Soulsurfer, coragem de viver)


Tiago (15) Bethany Hamilton, Soulsurfer, coragem de viver Leitura, dicção O estilo adoptado, de conversa, resulta bem (embora, como digo a seguir, a certa altura o esquema se torne cansativo). Nos momentos de leitura das legendas, o texto não é bem dito muitas vezes (o que tem, é verdade, a vantagem de acentuar o estilo espontâneo, coloquial, do filme). Relação com o livro Vão-se mostrando fotografias do próprio livro, e através delas vai-se dando a conhecer a biografia da protagonista. Escrita Ficamos a perceber bem a história e até a querer ler o livro, mas o esquema torna-se, a dada altura, demasiado repetitivo. (Seria possível, por exemplo, elidir vários «Bethany», pronominalizar outras expressões, etc.) Gostaria que tivesse havido mais algum texto do autor. Regras Excede em um minuto e tal o tempo recomendado.

Ana (Douglas Preston, O Codex Maia)


Ana (14,5-15) Douglas Preston, O Codex Maia Leitura, dicção Fez bem em imitar o estilo de voz («altissonante», radiofónico?) dos trailers. Há só umas três hesitações ou tropeções na leitura em voz alta. Relação com o livro É um trailer. (Não tenho a certeza de o livro corresponder ao tipo de livros que recomendara. Admito que sim.) Escrita Apreendeu bem o estilo ‘trailer’ (falta talvez, para a verosimilhança ser maior, o volume da música ser o típico do género; e haver menos pormenores da intriga: um trailer não pode ser tão exaustivo quanto ao enredo). A «Um grupo de amigos acabaram» prefira-se «Um grupo de amigos acabou»; em vez de «bandidos encomendados», «bandidos arregimentados». Regras Cumpre todas, mas é conjunto de diapositivos (não filme propriamente).

João M. & Frederico (Ricardo Araújo Pereira, Boca do Inferno)


João M. & Frederico (12,5) Ricardo Araújo Pereira, Boca do Inferno Leitura, dicção Leitura em voz alta ainda pode melhorar muito (as leituras em voz alta de João e de Frederico até talvez revelem progressos, mas ainda são imperfeitas). Segue-se demasiado a pontuação (ver o primeiro texto lido por João, por exemplo). Ora, a pontuação escrita nem sempre é para ser dita. Às vezes (Frederico, sobretudo) também se lê palavra a palavra (é preciso ir antecipando partes mais extensas do texto; neste caso, podendo ensaiar-se, acho que uma leitura tão entrecortada não tem grande desculpa, embora seja verdade que os textos em causa não fáceis — são mais para ler silenciosamente do que para dizer). Relação com livro Escolhem-se trechos quer do posfácio (de um falso Manuel Rosado Baptista) quer de uma das crónicas. Escrita Na verdade, não há muita criação própria. Mesmo a montagem socorre-se de relativamente poucas imagens. Partes seleccionadas conjugam-se bem, deve dizer-se. Regras São diapositivos, não filmes propriamente.

Marta F. & Bárbara (Haruki Murakami, Kafka à beira-mar)


Marta F. & Bárbara (16-15,5) Haruki Murakami, Kafka à beira-mar Leitura e dicção Leitura correcta, mas que poderia ter mais expressividade. Embora não haja falhas, nem hesitações em palavras, por vezes a leitura parece demasiado escolar, como se o texto estivesse a ser lido quase pela primeira vez. As autoras têm capacidades de leitura em voz alta para, ensaiando mais, chegarem a resultado mais convincente neste campo. Relação O resultado assemelha-se ao de um trailer, usando-se trechos do livro. Escrita Trata-se sobretudo de excertos da obra, mas há também partes escritas pelas autoras. Além disso, toda a concepção do filme deve ser incluída aqui: o bom ritmo da montagem, a coordenação das pausas para narração e a música, os erros. Regras Excede-se o tempo combinado.

Joana B. (Christiane F., Os filhos da droga)


Joana B. (17,5) Christiane F., Os filhos da droga Leitura Há sobretudo representação. O grau de dificuldade é, em geral, maior do que o da simples leitura. E, no entanto, não há momentos falhados nessa representação (que ainda se desdobra em dois papéis: um, no registo caricatural da ‘rapariga fútil’; outro, mais sério, correspondente a uma vencida Christiane F.). Um erro de pronúncia: é preferível «drogada» a «dr[ó]gada». Relação com o livro (Só lamento que o livro não seja mais «literário».) O formato usado é muito original, trabalhoso e resulta bem. Criou-se um diálogo telefónico entre a autora e a protagonista do livro em causa. Podia o dispositivo ficar-se por aí, mas não: descobre-se que Christiane está até perto do espaço da personagem/autora do bibliofilme, o que permite que haja desfecho no próprio cenário principal (enfim, indirectamente, por observação feita pelo irmão da protagonista [em desempenho susceptível de o levar a uma nomeação para o óscar de melhor actor secundário]). Esse final — que seria moralista, lamechas, se surgisse sozinho — fica mais distinto, mais inteligente, ao não impedir a personagem principal de sair para ir ao Colombo. Com tudo isto, ficamos a conhecer o livro quer pela crítica pejorativa dirigida à própria autora (livro mal impresso, já antigo, ...) quer pelo desenvolvimento do episódio que é consequência de factos evocados no livro (droga, sida, ...). Escrita A concepção do texto, resumida em cima, é um grande mérito já de redacção. Os diálogos são verosímeis. Regras Ultrapassa-se bastante o tempo combinado.

Júlia (Pablo Neruda, alias Martha Medeiros)


Júlia (11,5) Na verdade, o poema em causa não é de Pablo Neruda. Terá sido popularizado na net e aí atribuído ao poeta chilena, mas a sua autora (ou, pelo menos, divulgadora) será a brasileira Martha Medeiros. (Há na net outros casos semelhantes. Há pouco corria um Fernando Pessoa que se reconhecia demasiado escolar, demasiado evidente. Este poema parece-me a mim demasiado adolescente e fácil para ser de Neruda.) Confirma-se a necessidade de desconfiar das primeiras coisas que se descobrem na net, e de tudo investigar de forma menos superficial. Além disso, eu pedira que fizessem filme sobre livro lido (que, quando muito, um poema serviria para ilustrar; neste caso, parece que o poema não corresponde a nenhum livro efectivamente lido). Leitura Bastante razoável. Notei este erro: «*regatar» (resgatar). «Indagam-lhe» também não me parece possível (mas aí será problema do texto). Regras São imagens fixas, não filme.

Carolina (Michelle Lovric, Carnaval em Veneza)


Carolina (16,5) Michelle Lovric, Carnaval em Veneza Leitura Boa. Não notei erros. (É verdade que o registo intimista aceita vários estilos de leitura, mas o escolhido parece pertinente.) Relação com o livro Ao estilo do romance de Lovric — se bem percebi, pelo rápido relance que fiz (que os meus pais ainda não me deixam ler livros destes), um romance histórico-erótico —, a autora do filme escreve texto na primeira pessoa (que evoca os temas agregadores de Carnaval em Veneza: a cidade, Casanova, paixão, enfim, bastante explícita). A música escolhida, e as imagens — quer as fixas quer as do mar minhoto — vão bem com esse tríplice leitmotiv; as várias interrupções da música também. Escrita Redacção boa, com texto relativamente sofisticado, embora parcimoniosa (o tempo efectivamente ocupado com leitura não excederá um minuto). Um erro: «*tentar transparecer os teus pensamentos mais secretos» não é possível (talvez: «tentar deixar transparecer ...» ou «tentar perceber»). Regras Cumpre todas.

Dulce (Ary dos Santos, Vinte anos de poesia)


Dulce (15) Ary dos Santos, Vinte anos de poesia Leitura Não há falhas, a pontuação é bem cumprida. Creio que o estilo é o adequado à parte de comentário, mas que o texto de Ary dos Santos merecia talvez mais expressividade (ou talvez seja ideia feita minha, causada por me lembrar do tom enfático, quase caricatural, como Ary dos Santos lia os seus textos). Uma pronúncia melhorável: «emba-i-nhada» (não «embai-nhada», como quase parece ouvir-se). Relação com o livro Enquadra-se o livro na biografia de Ary dos Santos (nota importante: a primeira imagem que abre o bibliofilme não é o retrato de José Carlos Ary dos Santos, é o de Adriano Correia de Oliveira!); depois, faz-se comentário a um dos poemas, o que sobretudo serve também para se reflectir sobre o processo de escrita (da poesia). Escrita Correcta, selectiva, com o cuidado de não ser exclusivamente informativa (ou se limitar a aduzir dados) e ser até elegante (ainda que com alguns lugares comuns deste tipo de textos sobre poesia: «algo que não sabemos definir»; «despertou um sentimento»; «algo infinito»). Regras São imagens fixas, não filme.

Lena (Vera Martins, Sê feliz e vai à merda)


Lena (13) Vera Martins, Sê feliz e vai à merda Leitura Boa (ainda que — mas isso é questão técnica — com som demasiado baixo). Não me parece haver erros de pronúncia ou entoação, nem mesmo expressividade mal sucedida, a velocidade também é a adequada. Porém, há pouco texto para que se possa aferir devidamente essa correcção. A crítica maior que faço é exactamente haver desperdício do texto/tempo: não faria mal aproveitar-se mais um minuto talvez, e rechear de texto todo o filme. Relação com livro Não conheço o livro nem a sua autora, mas teria preferido que a escolha recaísse sobre escritor mais canónico, mais conhecido, mais «literário». Se não me engano, a Lena lê passos da obra (ou são reformulações, variações, criações?). No início, apresenta-se Vera Martins, em texto, salvo erro, do paratexto do livro. Escrita Como digo em cima, teria gostado que houvesse mais texto da própria autora do bibliofilme. Se, como julgo, não chegou a criar-se um texto, esta parte tem de considerar-se em falta. Um erro na legenda com o título: é «à» (e não «á»). Nota-se que houve gosto na escolha de músicas (mas até para que estas não se aglomerassem deveria ter-se intercalado mais texto). Regras São imagens fixas (não filme).

Ion (O diário de Ma Yan)


Ion (13,5-14) [Ma Yan], O diário de Ma Yan Leitura, dicção Já há muitos progressos na pronúncia do Ion (cfr. o microfilme anterior). Leitura em voz alta tem boa entoação, embora haja textos que merecessem mais ensaios. Interessante a parte dialogada, em que Ion assume fala de outras personagens (creio que é mesmo a voz do Ion). Na leitura do subtítulo foi esquecido «chinesa». Relação com livro Começa por se fazer uma espécie de introdução, dando-se o início do prefácio; depois, aproveitando-se o facto de o livro conter fotografias, vão-se vendo essas imagens e ouvindo-se trechos já da narração. A música foi bem escolhida, é «épica», como a vida de Ma Yan. Escrita Usa-se o texto do livro sobretudo. Excertos foram bem escolhidos. Há um bom sentido do ritmo necessário a um trailer (que é, no fundo, o género adoptado). Erros: no genérico final, «Diário» está sem acento; e vem «Diário do» (por «Diário de»). Regras Cumpridas; mas é série de diapositivos, não filme propriamente.

Patrícia (Manuel Freitas, Jukebox)


Patrícia (14,5) Manuel de Freitas, Jukebox Leitura O texto da própria autora do filme foi bem lido; já o poema talvez devesse ter sido dito mais expressivamente. Em geral, não faria mal ler-se um pouco mais devagar. Relação com livro & Escrita Faz-se relato do próprio processo de criação do bibliofilme — parte bastante criativa —, passa-se depois à leitura de um dos poemas, conclui-se com breve reflexão crítica. Foi boa decisão ter concebido assim o filme, embora a parte do meio pudesse ser mais demorada (outra hipótese: incluir na parte final alusões a outros poemas). O trecho em que se explica o livro não está suficientemente claro: valia a pena dizer que o livro reúne poemas cujo título é o nome de um compositor, de um músico; e que o texto de Manuel de Freitas dá sobretudo os contextos em que cada música foi ouvida. (Não se trata, portanto, de poemas de «autores ingleses». São poemas de escritor português, um dos que estão mais «na berra», que usam como inspiração músicas/compositores — nem todos ingleses, aliás.) Num dos dizeres, aparece um erro: «fi-lo» não tem acento. Regras Não é propriamente filme mas montagem de imagens fixas. Embora o tempo esteja dentro dos limites sugeridos (até três minutos), foi pena não se ter aproveitado mais umas dezenas de segundos.

Pedro (Maria Alberta Menéres, Ulisses)


Pedro (13) Maria Alberta Menéres, Ulisses Leitura em voz alta É razoável, mostra compreender o que está a ser lido, mas é inferior à leitura de que o autor do bibliofilme é capaz (enfim, os ensaios não terão sido quase nenhuns, se é que a leitura não foi mesmo à primeira tentativa). Relação com livro Para já, tenho de criticar a escolha do livro. Se me tivesse sido proposta esta obra (como aliás se combinara), tê-la-ia rejeitado, dado que queria que se evitassem livros já objecto de leitura aconselhada em anos anteriores. Escrita Não houve, na prática, criação de texto. Mesmo as imagens — que precisavam de mais luz — integram-se mal no que está a ser lido, porque tudo foi insuficientemente planificado. (O que fica é que tudo foi feito sobre o joelho. Tanto tempo de espera, para um resultado tão preguiçoso!). Regras Também o tempo combinado não foi cumprido (há um excesso de 50% do estipulado).

Beatriz & Catarina (Inês Botelho, O Ceptro de Aerzis)


Beatriz & Catarina (15) Inês Botelho, O Ceptro de Aerzis (3 volumes) Leitura Correcta, sempre com boas pronúncia e entoações, mas, por vezes, com a «pontuação a ver-se» (isto é, com pausas orais — às vezes excessivas — em função da pontuação escrita). Relação com livro Enquanto se vão mostrando imagens alusivas à história, vão-se contando as peripécias (dos três livros que constituem a trilogia do Ceptro). Escrita Texto parece bem escrito (segue também de perto a narração do livro), mas preferia que se tivessem detido menos na intriga e fizessem texto mais opinativo ou mais pessoal (ambas teriam a criatividade necessária). Em nenhum momento se alude ou escreve o nome da autora, «Inês Botelho», o que é uma lacuna. Regras Na verdade, trata-se de diapositivos, não de filme propriamente dito.

Diogo (Tomás Morais, Compromisso: Nunca Desistir)


Diogo (15-15,5) Tomás Morais, Compromisso: Nunca desistir Leitura Bom ritmo, sem erros (só notei uma má pronúncia: «questionavam») Relação com livro Faz-se apresentação da obra. Texto é agradável de seguir, porque a «montagem» foi bem preparada. Escrita Texto será bastante baseado em partes do próprio livro, mas, mesmo assim, creio ter havido trabalho de redacção. Tudo está bastante bem acabado. Regras Imagens não são de filme feito pelo próprio: são ora diapostivos (embora com a sugestão de movimento, o que resulta bem) ora filme recolhido da televisão. Excedeu-se o tempo em cerca de um minuto.

Marta M. (Rodrigo Guedes de Carvalho, A Casa Quieta)


Marta M. (?) Rodrigo Guedes de Carvalho, A Casa Quieta Leitura Boa. No entanto, este tipo de textos, introspectivos, requerem talvez uma leitura um pouco mais dramatizada. Relação com livro/Escrita [Ainda há que apurar este aspecto: houve algum tipo de adaptação, reformulação do texto de Carvalho?] Regras São imagens fixas. Tempo estipulado foi ultrapassado em um terço.