Sunday, August 28, 2016

Análise de canção e Memorial do Convento pelo 12.º 1.ª



Classificação que atribuo é a da primeira versão (a não ser que a reformulação tivesse sido demasiado trapalhona e achasse dever baixar essa primeira nota). Em alguns casos, o texto foi entretanto bastante melhorado, mas classificação não se afastará da do que me foi apresentado na primeira versão.
Algumas das referências podem ser ainda aperfeiçoadas (letristas e compositores devem ser confirmados, nomes e datas de álbuns, etc.). A pouco e pouco irei acrescentando esses dados (para o que peço, é claro, a colaboração dos autores das análises ou de outros colegas).

Francisca
Francisca (Bom-) || “Incondicional” (Luan Santana e Thiago Servo), Quando chega a noite, 2012 // José Saramago, Memorial do Convento, 24.ª edição, Lisboa, Caminho, 1995, pp. ?
A canção que eu escolhi foi “Incondicional” de Luan Santana, uma vez que tanto em Memorial como em “Incondicional” a visão é de uma relação inseparável, forte e onde ambos os intervenientes estão apaixonados. Escolhi-a também por aludir ao facto de se voar, ainda que não se trate do mesmo tipo de voo de que se fala na obra.
Na letra diz-se que “A gente é assim / tem tanta coisa em comum / você tem marca em mim (…)” e, embora na obra as duas personagens não tenham assim “tanta coisa em comum”, partilham um amor que realmente deixa marca um no outro, uma vez que a sua relação teve um começo um pouco comum e que só o facto de Sete-Sóis morrer os separou, e apesar da separação física, Sete-Luas ficou com uma marca do seu agora ex-marido guardada em si — “Desprendeu-se a vontade de Baltasar Sete-Sóis, mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia e a Blimunda.” (p. 359).
Tanto no livro como em “Incondicional” se fala de voar. Na canção “Eu vou subir nas nuvens (…)”, e, na obra, ao longo da construção da máquina de voar a que chamaram passarola e no seu voo — “hão-de fazer voar a passarola (…)” (p. 71) e “A vela correu toda para um lado, o sol bateu em cheio nas bolas de âmbar e agora, que vai ser de nós. A máquina estremeceu (…) mas o Padre Bartolomeu Lourenço agarrara-se a um dos prumos que sustentavam as velas, e assim pôde afastar-se a terra a uma velocidade incrível” (pp. 197 e 198), entre outras citações possíveis. Na obra, o casal apaixonado queria, juntamente com o padre Bartolomeu, voar, pois acreditava  que também tinham essa capacidade e não apenas os anjos a possuíam, enquanto que na música apenas um dos intervenientes quer voar para desenhar o sorriso da sua outra metade no céu, talvez pelo facto de estar apaixonado. Apesar de a intenção de voar ser diferente, em ambos, obra e música, se verifica esta vontade de largar a terra e chegar às nuvens.
Por fim, o último motivo que me fez escolher esta música foi simplesmente o facto de falar em sol e na noite (“assim é nosso amor, tão forte como a noite, prefeito como do dia” e “ E no azul do céu, vou ver seus olhos brilhando / e em meio às estrelas fico flutuando”). Na obra as personagens principais são apelidadas Sete-Sóis e de Sete-Luas, Baltasar Sete-Sóis um homem a menos por não possuir mão esquerda e Blimunda Sete-Luas uma mulher a mais por possuir poderes. O dia é perfeito pois é aquele que nos “sustenta”, dá luz e, até certo ponto, alegria. O mesmo acontece com Baltasar pois é Baltasar que trabalha e não Blimunda, dá-nos luz e alegria, pois apesar de não ter uma mão, executa todas as profissões a que se propõe como agouçeiro e trabalhador na construção do convento. Quanto à noite, é forte pois está mais ligada a coisas místicas e ficcionais como lobisomens, vampiros e outras criaturas místicas. No livro o papel de personagem mística é desempenhado por Blimunda, que tem o poder de ver por dentro das pessoas e acaba por ser “forte” porque consegue aguentar em jejum de forma a ver as vontades dos homens e até mesmo pelo facto de ver o interior das pessoas e lidar com desilusões.

Pedro

Pedro (Bom -/Bom (-)) || “Fire”(Sergio Pizzorno), West Ryder Pauper Lunatic Asylum, 2009 // José Saramago, Memorial do Convento, 57.ª edição, Porto, Porto editora, 2016
A canção escolhida, “Fire”, enquadra-se na história de Baltasar Sete-Sóis, Blimunda e Bartolomeu de Gusmão. Em geral consegue abranger a história dos três personagens, das suas motivações, tanto na construção da passarola como noutros vividos em Memorial, e das relações existentes entre si. A intensidade da paixão entre Baltasar e Blimunda está bem representada na letra (“Shake me into the night [a]nd I'm an easy lover”— Lança-me na noite e sou um amante fácil). A sua relação, caracteriza-se pela sua proximidade, tanto pela confiança que tinham um pelo outro como pela proximidade num aspeto mais físico, nas tarefas que realizavam juntos, como a construção da passarola, e no próprio contacto físico existente entre o casal. Baltasar e Blimunda tinham um amor único e verdadeiro.
Baltasar, que começa Memorial do Convento como soldado que perdeu a mão na guerra, foi durante esta um excelente soldado, como tantos outros que conseguiram ou não ter a mesma sorte que ele, e um excelente companheiro (“Take me into the fight [a]nd I'm an easy brother” — Coloca-me no combate e eu sou um irmão fácil) como se prova através do seu amigo João Elvas. Com o decorrer de Memorial, Baltasar mostrou-se alvo de julgamento pela inquisição, de entre outros motivos, pela amizade com o padre Bartolomeu e a consequente adoção de novas verdades, o relacionamento com Blimunda e a construção da passarola (“Wire me up to machines I'll be your prisoner [f]ind it hard to believe [y]ou are my murderer” — Prende-me a máquinas, eu serei teu prisioneiro, acho difícil de acreditar que tu és o meu assassino), tendo sido a principal razão da sua morte a amizade com Bartolomeu de Gusmão (“I caught the bullet from the heavens to the one you serve” — Eu levei uma bala dos céus pelo qual tu és servo” referindo-se neste caso à figura religiosa representada pelo personagem).
A passarola, projeto iniciado pelo padre Bartolomeu, tinha como objetivo levar o Homem ao céu onde só os anjos estiveram. Bartolomeu mostrava uma grande persistência ao tentar levantar a passarola do chão, estudou no estrangeiro inclusive, mostrava um total empenho no seu projeto (“I'm coming, you coming, no hiding, my feeling I wanna take it to the highest over me, yeah...” — Estou a ir, tu a vires, sem esconder, o que sinto, eu quero levar até o mais alto possível, yeah...). Porém, para a passarola voar eram precisas as vontades das pessoas. Estas eram recolhidas por Sete-Sóis e Blimunda daqueles cuja morte estava perto. As vontades eram guardadas em frascos e tinham a finalidade de erguer a passarola até aos céus, dando utilidade à alma dos condenados (“Im heading back into the tunnel for my soul to burn” — Eu estou a voltar para túnel para a minha alma queimar), algo desejado há muito pelo padre Bartolomeu.

Inês

Inês (Bom -) || «Running with the wolves» (AURORA/AURORA), All my demons greeting me as a friend, 2016 // José Saramago, Memorial do Convento, 38ª edição, Lisboa, Caminho, 1994, pp.164-174
A canção “Running with the wolves” (em português, «Correndo com os lobos») é da artista norueguesa AURORA e relaciona-se com o episódio de Memorial do Convento em que o trio Baltasar, Blimunda e Bartolomeu foge da Inquisição.
Depois de a passarola já estar terminada, os três esperavam pelo dia em que mostrariam o seu projeto final ao rei. Quando a quinta do Duque de Aveiro é perdida pelo rei, Baltasar e Blimunda preparam-se para sair de lá. Entretanto o padre encontra-se agitado e preocupado, com medo de ser perseguido pela Santa Inquisição, que o acusa de ser feiticeiro e judeu (“There's blood on your lies” / “Há sangue nas tuas mentiras”). Certo dia, aparece o padre na quinta agitado e assustado afirmando que o Santo Ofício já o procurava para o prender (“O padre Bartolomeu Lourenço entrou violentamente na abegoaria, vinha pálido, lívido, cor de cinza, como um ressuscitado que já fosse apodrecendo,Temos de fugir, o Santo Ofício anda à minha procura, querem prender-me”, p.164). As outras personagens acreditam em Bartolomeu e concordam que é necessário fugir, para salvar o seu amigo, mas ficam sem saber por onde (“There is nowhere for you to hide” / “Não há nenhum lugar para tu te esconderes”). Como o único modo de escapar é através da passarola, esta começa a ser preparada para a descolagem, e é necessário “colocar as bolas de âmbar nos cruzamentos dos arames, abrir as velas superiores (…), transferir as duas mil vontades (…).” (p.165). Tentam fazer tudo o mais rápido possível pois não resta muito tempo (“But we're running out of time” / “Mas estamos a ficar sem tempo”). Quando está tudo pronto, pedem ajuda ao Anjo Custódio e partem pelos ares à procura de um lugar seguro (“Go row the boat to safer grounds” / “Vá remar o barco para terrenos mais seguros”; “But don’t you know we're stronger now” / “Mas tu não sabes que estamos mais fortes agora”).
Durante a sua viagem sofrem uma grande variedade de emoções. Após levantarem voo sentem-se entusiasmados, espantados e felizes com o facto de todo o seu trabalho não ter sido em vão, de terem sido capazes de finalizar o seu projeto e que este funcionasse. O desejo que os três tinham em comum e que os unia realizara-se (“O padre ria, dava gritos, (…).”, p. 167; “(…) e Baltasar gritou, Conseguimos, abraçou-se a Blimunda e desatou a chorar, (…).”; “O padre veio para eles e abraçou-se também, (…).”, p. 168); para além disso, estavam vivos e seguros (“My heart still beats and my skin still feels”/ “O meu coração ainda bate e aminha pele ainda sente”). Lá do cimo observam a vista. No Terreiro do Paço, em Lisboa, procuram o padre para o prender. De seguida, começam a ficar irrequietos porque não está muito vento, logo não estão a conseguir afastar-se muito, e em breve o sol irá pôr-se, e quando tal suceder, a passarola deixará de ser atraída por ele, e cairá. Começam a ficar inquietos e o medo começa-se a apoderar deles (“O sol vai baixando para o lado da barra, já se estendem as sombras da terra. O padre Bartolomeu Lourenço sente uma inquietação (…)”, p. 170; “O padre Bartolomeu Lourenço olha indiferente, está fora do mundo, para além da própria resignação, espera o fim que não vai tardar”, p. 173), começam a ficar em pânico.
Quando atingem o solo encontram-se perdidos, doridos e sem saber onde estão. As três personagens esperam o seu fim.

Bea Sá
Bea Sá (Bom -) || «Eu não existo sem você» (Tom Jobim e Vinicius de Moraes / Maria Bethânia), Alma Gémea, 2005 // José Saramago, Memorial do Convento, 56ª edição, Porto, Porto Editora, 2014
«Eu não existo sem você», tem, assim como a história de amor de Baltasar e Blimunda, as suas partes felizes e tristes. Quer em Memorial do Convento quer na faixa de Maria Bethânia, a artista encara o amor como algo maravilhoso mas que, por vezes, precisa de ser triste para ser verdadeiro, tal como acontece com o amor de Sete-sóis e Sete-luas.
«Eu sei e você sabe, que a vida quis assim, que nada neste mundo levará você de mim» remete para o facto de o casal se ter conhecido por ação do destino, e não por interesses de terceiros, como acontecera no caso do rei e da rainha. Foi um amor repentino que começou num momento delicado (morte da mãe de Blimunda), mas propício para construir um amor verdadeiro, sem interesses alguns, baseado em sinceridade, amor e felicidade. Blimunda conseguia ver por dentro das pessoas quando estava em jejum, mas jurou a Baltasar que nunca o iria ver por dentro: “Quando me dás a mão, quando te encostas a mim, quando me apertas, não preciso ver-te por dentro.”
«Eu sei e você sabe, que a distância não existe» é um verso da canção que nos pode recordar que, apesar de ter passado nove anos à procura de Baltasar, Blimunda nunca desistiu até o encontrar, em Lisboa. “Milhares de léguas andou Blimunda, quase sempre descalça. A sola dos seus pés tornou-se espessa, fendida como uma cortiça.” com esta frase, o narrador, mostra-nos o esforço a que Blimunda se submeteu para encontrar o seu verdadeiro amor, e, ainda que, passado nove anos, a sua esperança não fosse a mesma, e esta estivesse sem forças, não foi nenhum desses fatores externos que a impediram de procurar aquele que sempre fizera tudo por ela e que sempre a amara.
O passo da faixa de Maria Bethânia «Que todo o grande amor, só é bem grande se for triste, por isso meu amor, não tenha medo de sofrer, pois todos os caminhos, me encaminham pra você…» lembra um acontecimento inesperado na obra de Saramago, a morte de Baltasar num auto de fé. Tudo isto foi descoberto por Blimunda enquanto corria ??? para conseguir alcançar o amor da sua vida, tendo passado já seis vezes em Lisboa, sem nenhum sinal de Baltasar lhe ter sido dado. Blimunda passa a sétima e última vez no Rossio, onde estava a haver uma cerimónia ou inquisição, e, no meio de onze pessoas que iriam ser mortas, vê Baltasar.
No meio daquele sofrimento todo, revolta, injustiça, dor, tristeza, incompreensão, Blimunda diz “Vem.” Este “vem” remete para a aceitação, mas, simultaneamente, é um eufemismo usado por Blimunda: iria estar, e ficar bem, e que eles iriam estar sempre juntos fosse em vida ou na morte, acontecesse o que acontecesse: “Desprendeu-se a vontade de Baltasar sete-sóis, mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia Blimunda.” Isto mostra o amor verdadeiro de Baltasar para com Blimunda; mesmo depois de morrer, a sua alma estaria sempre, e eternamente, com ela: “Se não houvesse tristeza nem miséria, se em todo o lugar
corressem águas sobre as pedras, se cantassem aves, a vida podia ser apenas estar sentado na erva, segurar um malmequer e não lhe arrancar as pétalas, por serem já sabidas as respostas, ou por serem estas de tão pouca importância, que descobri-las não valeria a vida de uma flor.”
«Assim como o oceano só é belo com o luar, assim como a canção só tem razão se se cantar, assim como uma nuvem, só acontece se chover, assim como o poeta só e grande se sofrer» remete-nos para um diálogo entre Baltasar e Blimunda, em que esta explicara o seu ponto de vista acerca da morte e vida: “Que sentes tu dentro de ti, Que ninguém se salva, que ninguém se perde, É pecado pensar assim, O pecado não existe, só há morte e vida, A vida está antes da morte, Enganas-te, Baltasar, a morte vem antes da vida, morreu quem fomos, nasce quem somos, por isso é que não morremos de vez, E quando vamos para debaixo da terra, e quando Francisco Marques fica esmagado sob o carro da pedra, não será isso morte sem recurso, Se estamos falando dele, nasce Francisco Marques, Mas ele não o sabe, Tal como nós não sabemos bastante quem somos, e, apesar disso, estamos vivos, Blimunda, onde foi que aprendeste essas coisas, Estive de olhos abertos na barriga da minha mãe, de lá via tudo.” Esta longa citação afasta-se um pouco da obra mas penso que se pode relacionar com a maneira de Blimunda ver as coisas à sua maneira. Para esta, tudo tem uma razão de ser.
«Assim como o viver, sem ter amor, não é viver, não há você sem mim, eu não existo sem você!» ilustra a relação amorosa de Blimunda e Baltasar, o ideal de uma relação perfeita em que os dois personagens não existem um sem o outro, (“e se a ele apeteceu, a ela apetecerá, e se ela quis, quererá ele.”).

Catarina C.

Catarina C. (Bom (+)) || “Por fin” (Pablo Alborán/Pablo Alborán), Terral, 2014 // José Saramago, Memorial do Convento, 58.ª edição, Porto, Porto Editora, 2016, pp. 56 e 400
Grande parte da obra Memorial do Convento é centrada no amor, sendo este representado por diversas personagens. Se, por um lado, temos, por parte da luxúria, riqueza e realeza relações ditas “de conveniência”, por outro, temos os representantes do amor verdadeiro e puro, Baltasar e Blimunda. Estes vêm contrastar com as perspetivas de sentimentos, afeições e relacionamentos que se passam na realeza, ao mesmo tempo que representam o povo e a simplicidade no modo de viver e a autenticidade do amor. “Por fin” (“Por fim”) ilustra tudo o que de genuíno há no amor, agradecendo-se ao parceiro a entrada deste na vida do eu, surpreendendo-o pela sua inesperada chegada - “Jamás pensé que sucediera así / Bendita toda conexión” (“Nunca pensei que se sucederia assim / Bendita toda a ligação”). Esta “chegada de amor” inesperada pode associar-se ao primeiro (e deveras definitivo e importante) encontro entre Baltasar e Blimuda que, inesperada e rapidamente, se encontram e quase de imediato se apaixonam.
Apesar das condições em que se conheceram não parecerem propícias a algum tipo de felicidade e união (conhecem-se durante um auto de fé levado a cabo pela Inquisição onde a mãe de Blimunda, Sebastiana, iria ser condenada), a paixão é quase imediata e premeditada pela sua mãe — “e aquele homem quem será (…) quem é ele, donde vem, que vai ser deles”. Após isto e sentindo algo que a transcende e que “fala” com ela, Blimunda interpela aquele homem que estava ao seu lado (“Que nome é o seu”) e bastou a resposta de Baltasar, simples e direta, para, desde aí, não perderem a ligação. Poderá dizer-se que foi um popularmente chamado “amor à primeira vista”, bastando este pequeno dialogo para que um grande amor nascesse, as suas almas e vozes ligando-se — “Entre tu alma y mi voz, sí / Jamás creí que me iba a suceder a mí” (“Entre a tua alma e a tua voz, sim / Jamais acreditei que me sucederia a mim”).
Este amor e união, vai crescendo ao longo da obra, sendo possível ao leitor a perceção de que Baltasar e Blimunda cada vez se tornam mais próximos, quase que dependentes um do outro e, por isso, um só. Este ato de “união” é simbolicamente oficializado quando,  uma das personagens determinantes do relacionamento de ambos (o padre Bartolomeu Lourenço) alcunha Blimunda de “Sete-Luas”, assemelhando-a a Baltasar, já muito antes alcunhado “Sete-Sóis” (tendo, na sua primeira interação com Blimunda, feito questão de o mencionar por ser algo que o definia) — “Has dividido en dos mi alma y mi ser/Porque una parte va contigo” (“Dividiste a minha alma e o meu ser em dois/Porque a outra parte vai contigo”). Os dois tornam-se, oficialmente, duas metades que se completam, simbolicamente.
Mesmo após a morte de Baltasar (na fogueira, pela inquisição) ambos permanecem juntos pois Blimunda recolhe a sua vontade — “E uma nuvem fechada está no centro do seu corpo. Então Blimunda disse, Vem. Desprendeu-se a vontade de Baltasar Sete-Sóis, mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia e a Blimunda”. A perenidade do amor foi aqui simbolizada, sendo importante para a obra pois é assim que termina — “Pero tu piel y mi piel pueden / Detener el tiempo… / Mejor de lo que era / Aquí nada es eterno” (“Mas a tua pele e a minha podem / Parar o tempo / Melhor do que o que era / Aqui nada é eterno”).

Carolina D.
Carolina D. (Bom (-)) || «I believe I can fly» (R Kelly/Robert Sylvester Kelly), Space Jams, 1996 // José Saramago, Memorial do Convento, Lisboa, Caminho, 2000, passim.
«I believe I can fly» transmite-nos a mesma ideia que nos é transmitida em Memorial do Convento pela passarola: o sonho de voar e a crença neste sonho, que simboliza a ligação entre a terra e o céu, a ascendência aos céus, a libertação do espírito e a passagem para um estado de existir diferente (“(…) o homem, primeiro tropeça, depois anda, depois corre, um dia voará.”; “faremos como as aves, que tanto estão no céu como na terra…”; “(…) e quando tudo estiver armado e concordante entre si, voarei.”)
A passarola, que “(…) parecia uma enorme concha, toda eriçada de arames, como um cesto que, em meio fabrico, mostra as guias do entrançado.”, simboliza a harmonia entre o desejo e a sua realização no momento do primeiro voo.
Era o Padre Bartolomeu que tinha o sonho de voar, numa máquina, construída pelo próprio homem. Para podermos tornar algo real, primeiro temos de sonhar. A realidade é depois alcançada, pela vontade, força, o engenho, e o trabalho.
Na passarola tiveram um papel crucial, Baltasar, que, apesar de maneta, foi quem teve um papel fundamental na construção, e o padre Bartolomeu, que foi até à Holanda procurar saber como se podia conseguir obter o éter (“(...) o éter compõe-se da vontade dos vivos (…) quando vires que a nuvem vai sair de dentro delas aproximas o frasco aberto, a vontade entrará nele(…)”), que acreditava ser o elemento essencial para a máquina voar; Blimunda, que viu os defeitos da máquina para que Baltasar os corrigisse e que recolheu as vontades de várias pessoas para que a máquina pudesse voar, ainda que adoentada; Scarlatti, que cura Blimunda através da sua música, tocando no seu cravo toda a noite (“(…)trarei para cá um cravo e tocarei para eles e para a passarola(…)’’).
Toda dedicação e tempo investidos na construção da passarola simbolizam a sabedoria do homem, a fé e a vontade — de alcançar o sonho que é voar — que nos são também transmitidas em «I believe I can fly’’ — “If I just believe it, there's nothing to it [Se eu simplesmente acreditar, é tudo]’’, ‘’I believe I can fly [Eu acredito que consigo voar]’’, ‘’I believe I can touch the sky [Eu acredito que consigo tocar no céu]’’, ‘’I think about it every night and day [Eu penso nisso toda a noite e todo o dia]’’, ‘’Spread my wings and fly away [Abrir as minhas asas e voar para longe]’’. O sonho, uniu Bartolomeu, Baltasar e Blimunda e foi possível juntar a ciência com trabalho, magia e ainda a arte de Scarlatti.
O sonho torna-se realidade e a passarola voa. ‘’(…) eu Bartolomeu Lourenço de Gusmão (que estou subindo ao céu por obra do meu génio, por obra também dos olhos de Blimunda(por obra da mão direita de Baltasar (…) e Baltasar gritou, Conseguimos, abraçou-se a Blimunda e desatou a chorar(…). O padre veio para eles e abraçou-se também, subitamente perturbado por uma analogia, assim dissera o italiano, Deus ele próprio, Baltasar seu filho, Blimunda o Espírito Santo, e estavam os três no céu, Só há um Deus, gritou, mas o vento levou-lhe as palavras da boca.’’

Adiana
Adiana (Suficiente) || “I Will Always Love You” (Dolly Parton), The Body Guard: Original Soundtrack Album, 1992 // José Saramago Memorial do Convento, 57.ª edição, Porto, Porto Editora, 2014
Ao longo de Memorial do Convento, há sempre um “adeus”, que é sempre uma despedida ou que talvez seja um “até nunca” mas com a esperança de volta, que por vezes é difícil. O amor, as construções e as despedidas estão acima de tudo presentes. Escolhi esta canção pois talvez tenha algo semelhante com a história.
A canção “I will always love you (Amar-te-ei sempre),que aqui ouvimos na interpretação de Whitney Houston, nos dois primeiros versos “If I should stay | I would only be in your way (Se eu ficar | Eu apenas estarei no teu caminho)”, leva-nos a pensar no capítulo 5, no dia do auto de fé, dia de alegria para os cidadãos de Lisboa, pois eram condenados os cristãos-novos e os judeus. Sebastiana Maria de Jesus, mãe de Blimunda, que tinha visões e ouvia “Deus”, foi condenada ao degredo para Angola.
No livro, lemos estas vozes: “Adeus Blimunda que não te verei mais | Ali vai a minha mãe”, (p. 56). Se Sebastiana pudesse ficaria ali com sua filha, junto de quem ela gosta, não ia para um lugar desconhecido. E, Blimunda, com tristeza e pena, diz que a sua mãe se foi. Penso que ambas têm a esperança de se encontrarem um dia, mesmo estando longe: o amor de mãe e filha irá permanecer sempre. Nunca se irá esquecer essa pessoa importante, o que é semelhante a canção,“So i’ll go but i know | I’ll think of you every step of the way (Então eu vou, mas eu sei | Que eu pensarei em ti em cada passo do caminho)”.
“So good-bye | Please don't cry | We both know I'm not what you, you need (Portanto adeus | Por favor não chores | Pois ambos sabemos que não sou o que tu, precisa)”, lembra a parte em que Sebastiana sente que sua filha não pode falar com ela, pois, se souberem que é sua filha é capaz de ser condenada também. Nesta perspetiva, ela não seria boa para Blimunda; por isso tinha de ir, para que sua filha tivesse uma vida sem perseguições da Inquisição. Também na p. 56: “Blimunda, filha minha, e já me viu, e não pode falar, tem de fingir que me não conhece ou me despreza, mãe feiticeira e marrana ainda que apenas um quarto, já me viu”. Nesse dia de auto de fé Blimunda conhece o seu verdadeiro amor, logo depois de não ter mais sua mãe, ao lado dela. Este homem tem o nome Baltasar e é conhecido como Sete-Sóis. Ao longo da história, o amor deles cresce cada vez mais, sendo Blimunda batizada como Sete-Luas. Ambos passaram por dificuldades e perdas, mas o amor ajudou-os a superá-las sempre.
Nos últimos capítulos, Baltasar não regressou a casa e deixou Blimunda muito preocupada. De tal modo, que usou os seus poderes e virtudes para procurar o seu amor. Andou por toda parte de Portugal, procurou durante nove anos, sem se esquecer um dia que fosse dele. Julgavam que era doida, mas, incansável, um dia reencontrou Baltasar, no Rossio, a ser condenado à fogueira, e recolheu-lhe a sua vontade.
“I hope life treats you kind | And I hope you have | All you've dreamed of | And I wish you joy and happiness | But abouve all this i wish you love (Eu espero que a vida te trate bem | E eu espero que tenhas | Tudo que com sonhaste| E desejo para ti prazer e felicidade | Mas, acima disso tudo, eu desejo para ti, amor)”, palavras que Baltasar não disse mas deverá ter pensado. Mesmo indo para outro mundo, amará Sete-luas para sempre, e deseja que sua amada seja feliz mesmo não estando mais juntos. Blimunda perdeu as pessoas que ama, talvez por injustiça ou por terem pensamentos diferentes, mas que eles sempre irão amá-la, “They will always love her”.

Marta

Marta (Bom (-)/Bom -) || “Some nights”(Jeff Bhasker, Nate Ruess, André Dost, Jack Antonoff), Some nights, 2012 // José Saramago, Memorial do Convento, 19.ª edição, Lisboa, Caminho, 1984, pp. 35-47
“Some nights”, a canção que dá o nome ao álbum da banda norte-americana Fun, lançado em 2012, conta a história, na primeira pessoa, de um homem cheio de interrogações no meio de uma guerra. Esta é uma história semelhante à de Baltasar Mateus, o Sete sóis. Sendo um dos protagonistas de Memorial do Convento, Baltasar é um antigo soldado que combateu na guerra entre Portugal e Espanha. Nate Ruess, vocalista de Fun, canta “Well, some nights I wish that this all would end” (Bem, algumas noites desejo que isto tudo acabasse), sentimento que Baltasar certamente viveu quando serviu na guerra, como qualquer pessoa na mesma situação. Ainda novo partira de Mafra onde vivia com a sua família, do povo, para ir combater em terras espanholas. Regressa anos mais tarde após ter sido expulso do exército por lhe terem cortado a mão esquerda (“Foi mandado embora do exército por já não ter serventia nele, depois de lhe cortarem a mão esquerda pelo nó do pulso”, p. 35). Baltasar pode ser considerado um sortudo porque, numa guerra em que morreram centenas, a única coisa que perdeu foi a mão que mais tarde foi substituída por um gancho de ferro. Vem do Alentejo em direção a Lisboa com o objetivo de se reunir com a sua família em Mafra, que dele nada sabe desde que partiu (“Se pai e mãe se lembram dele, julgam-no vivo porque não têm notícias de que esteja morto, ou morto porque as não têm de que esteja vivo”, p. 36). O sujeito da canção faz também faz várias referências à família que deixou para trás: ”I miss my mom and dad for this?” (Tenho saudades da minha mãe e do meu pai por isto?) e “Sorry to leave, mom, I had to go” (Desculpa partir, mãe, tive de ir). Inicialmente, Sete sóis pensa que só pedindo esmola conseguirá dinheiro. Mais tarde, acaba por arranjar trabalho como talhante. Mas a guerra para Baltasar terminou. Marcou-o  quer física quer psicologicamente mas não o derrotou. A dor das mortes, o sofrimento, o sangue, tudo fica para trás. Ele volta à vida do dia a dia. Mas também da sobrevivência. Apaixona-se por Blimunda e ela dá sentido aos seus novos dias. O gancho que lhe substituiu a mão tem usos que lhe garantem um emprego e trabalha como qualquer outro homem. Ao contrário do homem da música, que ficou preso no sentido da guerra e na sua inutilidade, Baltasar prossegue com a sua vida. Não é uma vida fácil: tem de trabalhar para comer. O herói de pé descalço que José Saramago nos mostra é um bom exemplo de como vive um pobre no século XVIII. Um grande contraste com a realeza nas passagens que se referem à corte de D. João V. Uma corte extravagante, que exibe perante o povo o seu luxo fútil. São os reis e os seus nobres que mandam os homens, como Baltasar, para a guerra. Ontem como hoje os homens só podem cumprir ordens. As dúvidas têm de ficar dentro de cada um, como o homem de que fala a canção.

Maria

Maria (Bom) || «Não vai dar (parte I)» (Anselmo Ralph/Anselmo Ralph), The Best of Anselmo Ralph, 2009 // José Saramago, Memorial do Convento, 13ª edição, Lisboa, Caminho, 1984, passim
«Não vai dar», após uma leitura cuidadosa de Memorial do Convento, remete, imediatamente, para a situação de D. Maria Ana Josefa. Maria Ana Josefa chegou da Áustria «para dar infantes à coroa portuguesa» (p. 9), chegou a Portugal para casar com D. João V, Maria Ana, no mundo social, era vista como culturalmente inferior, a sua existência regia-se por deveres bem determinados, e não poderia ter sentimentos ou emoções. Era vista como um meio para chegar a um fim – esse fim seria, então, dar infantes à coroa portuguesa – «[E] até hoje ainda não emprenhou» (p. 9). Maria Ana era considerada a culpada pela esterilidade do casal – «Que caiba a culpa ao rei, nem pensar, primeiro porque a esterilidade não é mal dos homens, das mulheres sim, por isso são repudiadas tantas vezes» (p. 9).
D. João V, jovem que sonha surpreender o mundo com a sua grandeza e deixar marca da sua passagem na Terra, promete a Frei António de São José que mandará construir um convento em homenagem aos franciscanos, se estes o ajudarem na questão da sucessão – «[S]e vossa majestade prometesse levantar um convento na vila de Mafra, Deus lhe daria sucessão (…) É verdade o que acaba de dizer-me sua eminência, que se eu prometer levantar um convento em Mafra terei filhos (…) Verdade é, senhor, porém só se o convento for franciscano» (p. 12).
D. Maria Ana já estaria grávida aquando a promessa foi feita. Nasceu Maria Bárbara, a primeira descendente da coroa portuguesa. Maria Ana sonhava, secretamente – «Também deste sonho nunca deu contas ao confessor» (p. 16) – , com seu cunhado D. Francisco – «Há tantas mulheres por aí e tantos homens por aí. Mas eu fui logo gostar de ti e tu foste logo gostar de mim».
Não tendo o amor do marido, Maria Ana refugia-se nas suas crenças e em Jesus Cristo – «[V]ai ao convento das Trinas, e ao convento das Bernardas, e ao Santíssimo Coração (…) mas aonde ela não se atreve a ir sabemos nós, é ao convento de Odivelas, todos adivinham porquê, é uma triste e enganada rainha» (pp. 121-122) –, mesmo que tente evitar o convento onde se pensa estar a predileta das amantes do rei – «mas ficar contigo é um pouco mais que complicado».
D. Francisco, ao ter conhecimento dos sonhos de Maria Ana e, apercebendo-se de que o irmão estaria seriamente doente, aproveita-se da mesma – «Porém, vossa majestade sonha comigo quase todas as noites, que eu bem no sei» (p. 123) – para que, se el-rei D. João V falecesse, se tornasse rei – «Então, morrendo meu irmão, casamos» (p. 123). Maria Ana desistiu rapidamente da ideia. Não merecia a pena um outro casamento em que os interesses fossem maiores do que a relação em si – «[A]gora o infante só lhe aparece para dizer que quer ser rei, bom proveito lhe fizesse (…) Adoeceu tão gravemente el-rei, morreu o sonho de D. Maria Ana, depois el-rei sarará, mas os sonhos da rainha não ressuscitarão» (p. 124).
A faixa de Anselmo Ralph sublinha o erro que é apaixonarmo-nos pelas pessoas erradas. Assim como o amor de Maria Ana e D. Francisco, a história da canção termina da pior forma: «É melhor ficarmos por aqui… sabes?». Numa época em que os sentimentos não tinham qualquer valor, Maria Ana desiludiu-se ao pensar que talvez houvesse uma escapatória, mesmo sendo errado – «Tu não estás sozinha, tu és a rainha de um outro fulano»; «Este sentimento temos que arrancar, não podemos nos deixar levar».

Bea

Bea (Bom (-)) || “Amor Maior” (readaptação de um tema de Jota Quest, MTV ao Vivo, 2003), banda sonora da novela Amor Maior, 2016 // José Saramago, Memorial do Convento, 56.ª edição, Porto, Porto Editora, 2015
Em Memorial do Convento a sensação protagonista é o amor, desde a sua mais forte manifestação, como na relação de Baltasar Sete-Sóis e Blimunda, até à mais fraca e quase inexistente manifestação deste, nos sonhos eróticos tidos por D. Maria Ana Josefa com o seu cunhado D. Francisco de Bragança.
Em toda a obra D. Maria Ana apresenta-se como uma personagem com uma voz abafada. Não vive uma paixão ardente, como percebemos ser, através dos sonhos com o seu cunhado, o seu desejo. Em vez disso, a sua relação com D. João V baseia-se no cumprimento dos deveres conjugais e sociais, na traição por parte do rei, e na repressão dos seus sentimentos. A canção da banda brasileira Jota Quest, retomada em Portugal por Paulo Gonzo e Raquel Tavares que dela fizeram o genérico da telenovela portuguesa homónima, ilustra o constante estado de espírito da rainha, pois mistura o sentimento de querer estar só em vez de estar com alguém que não a ama e, no entanto, não ter a força suficiente para o fazer, devido às suas responsabilidades enquanto realeza e ao seu constante estado de espírito (“Eu quero ficar só mas comigo só eu não consigo”).
Ao longo da obra temos a sensação de que, se D. João V desse a D. Maria Ana a atenção que esta pretendera, ter-se-ia desenrolado o sentimento de amor e cumplicidade entre os dois. Conseguimos inferir isto através da caracterização da personagem D. Maria Ana como senhora de paz, meiga, passiva e que, acima de tudo, ainda  sofre com a situação em que se encontra (“É preciso amar para sempre, amar perdidamente, ser amor a qualquer hora, ser amor de corpo inteiro, amor de dentro para fora, amor que desconheço.”).
Constantemente reprimida pelo meio social a que pertence e pelos seus deveres enquanto parte da realeza, a rainha assume uma atitude passiva, abstraindo-se do que a rodeia, sentindo, no entanto, uma tristeza e insatisfação face à vida que leva (“Quero um amor maior, amor maior que eu”), não tendo, consequentemente, vontade de a viver mais, o que a faz sentir-se esgotada.
Esta fragilidade, devida à falta de amor e ao facto de ser humilhada enquanto mulher pelos sucessivos retiros do rei no Mosteiro de São Dinis para ter relações com as “esposas do Senhor” (p. 100, em Memorial do Convento), resulta numa solidão (“Eu quero ficar só”) e numa carência afectiva para a qual única solução que encontra é sonhar.
Através do sonho D. Maria Ana compensa a carência de atenção emocional e física. Sonha com o seu desejado cunhado D. Francisco, que, mais tarde, no capítulo dez, se revela um oportunista, o que causa a D. Maria Ana um certo desapontamento e desgosto, que ela ultrapassa mal se apercebe do sucedido (“Magoarei mesmo assim, mesmo sem querer, para saber se é amor, mas estarei mais feliz mesmo morrendo de dor, p’ra saber se é amor”). D. Maria Ana está confinada a uma relação fria, sem amor e preocupação, o que não era de todo o pretendido.

Leal

Leal (Suficiente (+)) ||“Can you feel the love tonight” (Elton John / Tim Rice), Can you feel the love tonight, 1994 // José Saramago, Memorial do convento, 19.ª edição, Lisboa, Caminho, 1989, pp. 53-57
Memorial do convento anda muito à volta do relacionamento amoroso entre Baltasar e Blimunda, um amor “puro”, “verdadeiro” que percebemos logo que eles se conhecem e se apaixonam. Ao ler o livro na parte desse primeiro contacto entre Baltasar e Blimunda e a primeira noite que passam juntos, lembrei-me automaticamente de uma canção que todos conhecem, “Can you feel the love tonight”, do emblemático Elton John, música essa que foi escrita para o filme The lion king e usada numa cena romântica, como seria de esperar.
A estrofe “An enchanted moment / And it sees me through / It's enough for this restless warrior / Just to be with you” (Um momento encantado que passa por mim é o suficiente para este guerreiro inquieto ficar contigo) faz-me logo lembrar do momento em que Blimunda e Baltasar se conhecem, pois fala de um momento encantado em que um guerreiro se apaixona, tal como no livro de Saramago, durante o auto de fé. O que para nós nos parece um momento algo estranho para Blimunda e Baltasar, é um momento encantado, o do seu primeiro encontro, o momento em que Baltasar (um soldado, guerreiro) se apaixona depois de Blimunda ter dito estas simples palavras: “Que nome é o seu” (p. 54).
O lugar onde Blimunda e Baltasar se conhecem pela primeira vez não é muito romântico, e é estranha a calma com que Blimunda reage mesmo sabendo que a sua mãe vai para Angola e que provavelmente nunca mais a irá ver. É, sem, dúvida, uma altura estranha para se apaixonar, mas essa calma toda talvez resulte do fato de ela se ter apaixonado nesse momento: o fato de ter conhecido Baltasar traz lhe calma segurança de que tudo ficará bem. Na canção que escolhi existe uma estrofe com significado muito semelhante: “There's a calm surrender / To the rush of day” (Há uma calma rendição à pressa do dia).
Há também outra estrofe que conseguimos associar à canção com Baltasar, “When the heart of this star-crossed voyager/ Beats in time with yours” (Quando o coração deste viajante bate ao mesmo ritmo que o teu). Percebemos que existem algumas parecenças entre Simba, o herói do filme, e Baltasar pois também sabemos que Baltasar viajou durante algum tempo depois da guerra para chegar a Lisboa.
No livro, depois deste primeiro encontro, os dois apaixonados vão para casa de Blimunda onde consomem a sua paixão. Na música temos também indícios de que isso tenha acontecido em quatro versos que se repetem ao longo da canção “And can you feel the love tonight? / It is where we are” (consegues sentir o amor esta noite? está onde nós estamos) “And can you feel the love tonight / How it's laid to rest?” (consegues sentir o amor esta noite como está deitado para descansar), mas só conseguimos mesmo perceber que Simba e a sua amada dormem juntos.

Carolina S.
Carolina S. (Suficiente +) || «Por quem não esqueci» (Sétima Legião / Sétima Legião), De um tempo ausente, 1989 // José Saramago, Memorial do Convento, Lisboa, Editores Reunidos, 1994, pp. 328-351
A parte que chama mais atenção em Memorial do Convento é, sem dúvida, o amor. Temos, por um lado, a luxúria, o fingimento e a traição na relação da rainha e do rei, e, por outro lado, o amor verdadeiro e puro de Baltasar e Blimunda. A parte que eu penso que é mais chocante e marcante em Memorial é mesmo o desaparecimento de Baltasar, e a longa procura até à exaustão de Blimunda, e por isso escolhi a música “Por quem eu não esqueci” dos Sétima legião. Esta música transmite muito o mesmo tipo de ânsia e de frustração vindas de Blimunda enquanto esta procurava Baltasar. O sujeito da música, assim como Blimunda, parece procurar alguém que ainda não caiu no esquecimento e que ainda faz falta.
Já fizera seis meses desde que Baltasar não ia a Monte Junto cuidar da passarola e dos possíveis estragos feitos pelo passar do tempo. Certa noite foi Baltasar mostrar a Blimunda as estátuas que tinha trazido até Mafra e, nesse mesmo passeio, anunciou que iria voltar a Monte Junto. Desprezando as preocupações de sua mulher, lá partiu, na manhã seguinte, e uma estranha despedida se deu entre estas duas almas apaixonadas e desesperadas por estarem juntos de novo (“Adeus Blimunda, Adeus Baltasar.”, p. 328),mal sabia o casal que seria a última vez que se iriam ver.
Mesmo sabendo que Baltasar apenas poderia voltar no dia seguinte, Blimunda não descansou, preocupada com o seu homem, com a esperança de que ele ainda viesse e que o pudesse receber de braços abertos como sempre o fizera. Na canção existe uma referência a esperar quem não esquecemos e com queremos ainda estar (“Espero à noite, Por quem não esqueci.”), o que reflete exatamente o que Blimunda estava a sentir naquele momento: preocupada com Baltasar, não conseguia descansar enquanto não o tivesse nos seus braços, por isso esperou. Não dormiu toda a noite e, quando os primeiros raios solares se deram, saiu à procura do seu amado, andou por onde ele supostamente voltaria. Mal ela sabia que ele, devido a um mero acidente, tinha partido na passarola “Blimunda não nos ouve, saiu já de casa, vai pelo caminho que conhece, aquele por onde Baltasar virá, não é possível desencontrarem-se.” (p. 332)
  Blimunda não parou uma única vez, nem para comer “ia andando e mastigando”(p. 333), assim como o “eu” da canção “Ainda procuro, por quem não esqueci.” não parou de procurar. Chegando a Monte Junto, e depois de muito ter gritado por Baltasar, na esperança de que este respondesse “por causa disso gritou, Baltasar.” (p. 334) —,repara que a grande máquina não estava lá assim como o seu homem. Mostra o desespero que Blimunda tinha em encontrar o seu amor, o quanto ela gritou, quase como se estivesse a pedir que alguém lhe dissesse onde poderia encontrar de novo o seu querido Sete-Sóis “Eu peço à noite, um sinal de ti. Quem eu não esqueci…” —, tal como na canção o autor pede um sinal, apenas um sinal, assim como Blimunda, para encontrar alguém.
Mas Blimunda não perdeu a vontade de encontrar Baltasar. Continuou e, mesmo depois de existir um pequeno (no entanto bastante lastimável) incidente com um certo frade, não parou e continuou a sua caminhada (“Toda a noite Blimunda andou.”, p. 340). Depois de parar durante um tempo em Mafra, assistindo com a sua cunhada, Inês Antónia à tao esperada inauguração do convento de Mafra e chegou o fim do primeiro dos oito dias de sagração do convento, Blimunda parte, com um único objectivo, descobrir de novo o seu amado. Este sentimento de Blimunda assemelha-se muito a um verso da canção “Ainda procuro, por quem não esqueci. Em nome de um sonho, em nome de ti.” pois ela não desiste da sua procura pelo amor, segue um único sonho, o de encontrar Baltasar de novo.
Depois de nove anos de procura em que Blimunda correu Portugal inteiro à procura do seu amor e sempre sem resposta, foi até à fronteira e voltou passou pelos mesmos sítios e nunca desistiu de procurar o seu verdadeiro amor, Baltasar, o seu querido Sete-Sóis que ela já não via desde aquela manhã em que este partiu para Monte junto, depois de tanto sacrificar para o encontrar, por fim encontra-o, infelizmente a ter o mesmo desfecho que a sua pobre mãe, morto, num auto de fé “Naquele extremo arde um homem a quem falta a mão esquerda. Talvez por ter a barba enegrecida, prodígio cosmético da fuligem, parece mais novo.” (p. 351)mas, mesmo depois de o ter perdido, Blimunda ainda procura Baltasar (“Ainda procuro, por quem não esqueci. Por quem já não volta, por quem eu perdi.”), ainda procura estar unida com ele, e mesmo Baltazar sabe que mesmo após a sua morte o único sítio a que este pertence é junto ao seu verdadeiro amor, onde a lua e o sol podem estar unidos para sempre “Então Blimunda disse, Vem. Desprendeu-se a vontade de Baltasar Sete-Sóis, mas não subiu para as estrelas, se á terra pertencia e a Blimunda.” (p. 351).

Madalena
Madalena (Bom) || «Verdade» (Domingos Coimbra, Francisco Ferreira, Manuel Palha, Salvador Seabra e Tomás Wallenstein), Gazela , 2011 // José Saramago, Memorial do Convento, 46.ª edição, Lisboa, Caminho, 1994, pp. 63-69
No álbum Gazela, dos Capitão Fausto, encontramos a faixa “Verdade” escrita com o intuito de criticar a sociedade por esta banalizar a verdade. Podemos notar que a canção torna possível criar um paralelismo com o propósito dos autos de fé relatados em Memorial do Convento, nos capítulos V, XXV.
A canção “Verdade” critica a banalização da verdade, independentemente de o seu conteúdo ser verdadeiro ou não “A verdade é uma coisa qualquer / faça aquilo que fizer”. Em Memorial do Convento, este início da canção não seria bem visto pois a verdade era o que a Inquisição e o Santo Ofício decidiam “e aquele é Domingos Afonso Lagareiro, (...), que fingia visões para ser tido por santo, e fazia de curas usando de bênçãos palavras e cruzes e outras semelhantes superstições”(p. 68) daí os sentenciados que diziam ter visões e serem santos terem sido julgados e degradados. Independentemente de o indivíduo possuir aqueles dons, ele teve de ser julgado pois a sua verdade não era compatível com a verdade da Inquisição.
Sebastiana Maria de Jesus (mãe de Blimunda) foi outra da vítimas do auto de fé “e esta sou, Sebastiana Maria de Jesus, um quarto cristã-nova, que tenho visões e revelações, mas disseram-me no tribunal que era fingimento”(p. 68). Neste trecho podemos ver que o tribunal não acreditara em Sebastiana e que esta fora condenada a oito anos de degredo em Angola, por apenas dizer a verdade. Quando Sebastiana foi julgada em tribunal foi considerada “blasfema, herética, temerária” (p. 68),  e esta sentiu que “sobre aquilo que eu disser / é levado a peito e acabo sem ver / O que alguém quis responder”. É caso para dizer que Sebastiana sabia o que deveria responder em tribunal, no entanto limitou-se a dizer a sua verdade.
Estes autos de fé serviam para mostrar o poder que a Igreja tinha sobre o povo e a falta de condescendência com o mesmo. Esta falta de liberdade faz com que o leitor pense que “Mais valia que a verdade fosse a verdade / e que se ouvisse quem quiser falar”. Em toda a narrativa sobre os autos de fé, o narrador intervém usando a ironia sempre com um lado pejorativo — “Porém, hoje é dia de alegria geral, (...), juntando-se no Rossio para ver justiçar a judeus e cristãos-novos, a hereges e feiticeiros”(p. 64), “nunca se chegará a saber de que mais gostam os moradores, se disto (auto de fé), se das touradas” (p. 65) criticando a alegria do povo português perante uma situação de julgamento em praça pública, pois foi graças a este que os setenciados foram apanhados (“correm boatos ao amanhecer / sobre aquilo que eu disser”).
Tanto a narrativa sobre os autos de fé como a canção “Verdade” criticam a falta de liberdade e a credibilidade da “verdade”. Em Memorial do Convento não existe uma verdade que se “dogmatize”, nem nada que possa provar a verdade dos sentenciados. É caso para dizer que “A verdade é que a verdade nem sempre é verdade / E que o mundo ainda tem de crescer”.

Jacemila

Jacemila (Suficiente (-)) // "A bússola" (Luan Santana), Ao vivo no Rio, 2011 // José Saramago, Memorial do Convento, 13.ª edição, Lisboa, Caminho, 1984
A música que eu escolhi foi "A bússola" de Luan Santana, uma vez que tanto na obra como em "A bússola" a visão é de uma relação inseparável, forte e em que ambos os intervenientes estão apaixonados. Escolhi-a também por aludir ao facto de "andar por uma selva de perigos", ainda que este último ponto não seja o mesmo tipo de perigo de que se fala na obra.
Na música diz-se "Eu precisava de uma bússola / alguma coisa para me guiar (...)" e, embora na obra as duas personagens estivessem à procura de alguém para as guiar, tanto na obra como em "A bússola" se fala de amor descontrolado.
Também na música se diz "Só preciso da bússola que me tirou do escuro (...)" e as duas personagens partilham um amor que realmente fez marca um no outro. As duas personagens da obra (Baltasar e Blimunda) não têm nada em comum, conheceram-se durante um auto de fé levado a cabo pela inquisição, o de 26 de julho de 1711, e nunca se deixaram de amar. Viveram um amor sem regras, natural e instintivo. Baltasar é maneta, perdeu uma mão na guerra. E Blimunda tem um poder de ver por dentro das pessoas e acaba por ser forte porque consegue aguentar em jejum de forma a ver as vontades dos homens e até mesmo pelo facto de ver dentro das pessoas e lidar com desilusões. A sua relação teve um começo um pouco comum e só o facto de Sete-sóis morrer os separou, mas, apesar da separação, Sete-luas ficou com uma marca do seu ex-marido guardada em si: "Despertou-se a vontade de Baltasar Sete-sóis, mas não subiu para as estrelas se à terra pertencia a Blimunda." (p. 359).
Os versos da canção "E se eu for para o Sul mesmo que seja sem querer / Você me traz para o leste para ver o sol nascer" fazem lembrar a procura de Blimunda por Baltasar, durante noves anos, incansável. Tal como na obra, na música também se fala de perigos. A frase "Por uma selva de perigos / Não consegui escapar" faz-me lembrar do perigo que Baltasar sofreu durante a guerra (ele é um ex-soldado, que perdeu a mão durante a guerra).
A frase da canção "Vou para a guerra do seu lado" mostra um amor verdadeiro, em que a personagem faz de tudo para viver um amor e estar ao lado da pessoa amada. Em Memorial do Convento, as duas personagens, Blimunda e Baltasar, vivem um amor verdadeiro. Não é aquele amor que algumas amigas dizem sentir umas pelas outras, uma semana depois de se conhecerem, ou daquelas pessoas que têm relações apenas por interesse, como acontece também em Memorial do Convento entre D. João V e D. Maria Ana. O amor que existe entre Blimunda e Baltasar é um amor que tem a capacidade de unir duas pessoas numa só, capaz de fazer ultrapassar os mais variados obstáculos, capaz de dar forças nos momentos mais críticos ou mais difíceis ou também de tristeza.

Tiago

Tiago (Suficiente +) ||«Protagonista» (Dillaz), Reflexo, 2016 // José Saramago, Memorial do Convento, 46.ª edição, Lisboa, Caminho, 1994, pp. 60-65
Podemos fazer um paralelismo entre a canção “Protagonista”, de Dillaz, do álbum Reflexo, e o desejo de voar de Bartolomeu Lourenço de Gusmão. Um dos acontecimentos mais marcantes deste grande romance é a construção da passarola, idealizada pelo padre Bartolomeu, mas construída por dois amores, Sete-sóis e Sete-luas (Baltasar e Blimunda), que tiveram um pequeno apoio do músico Scarllati. Embora a construção da passarola tenha sido consentida por D. João V, a vida do padre jesuíta nem sempre fora fácil pois nem todos acreditavam nas suas capacidades, tanto a gente do povo como a das classes mais altas.
Bartolomeu era conhecido por todos como “Voador” – “Aquele que ali vem é o padre Bartolomeu Lourenço, a quem chamam o Voador,” (p. 61) – mas, para além de voador, ele também poderia ser chamado inovador, inventor e sonhador, pois são adjetivos que o descrevem e definem. Para construir a passarola Bartolomeu não teve só de a idealizar mas também de passar por várias situações em que desistir seria o mais fácil. E entanto, não desistiu. Podemos fazer um paralelo com a canção  “Regra número um / Tenta expandir a vista / Faz pela tua conquista / O protagonista és tu / Regra número dois / Não deixes para outra hora / Tu tenta fazer agora / Para repetir depois / Regra número três / É obrigatório sorrir / E no caso de caíres / Vais levantar-te outra vez / Regra número quatro / Quem conta com a sorte / Não volta mais forte / Acaba por ser fraco”, pois parece que o padre seguiu cada uma destas regras para que a sua viagem na passarola se tivesse concretizado. Ele, de acordo com a primeira regra, abriu horizontes e conseguiu ir onde até então só Deus e as aves tinham podido ir, tornando-se o “protagonista” da sua história e da história da humanidade. Depois guiou-se pela segunda regra e não deixou passar a oportunidade de começar o seu projeto, especialmente depois de conseguir a ajuda dos seus grandes companheiros, Baltasar e Blimunda, que também fizeram a viagem com ele. A terceira regra pode dizer-se que ele já a sabia porque um dia disse a Baltasar que “O homem primeiro tropeça, depois anda, depois corre, um dia voará” (p. 63), devido ao facto de este desconfiar de que Bartolomeu conseguisse mesmo um dia voar. E, por fim, também respeita a quarta regra pois não foi com sorte que ele conseguiu pôr a passarola a voar, mas com vários anos de trabalho árduo, de pesquisa, na Holanda e em Coimbra, e de recolha de vontades.
Contudo, antes de conseguir concluir os seus objectivos, as ideias do padre Bartolomeu não foram bem aceites pela sociedade pois, para a época, estas geravam uma desconfiança geral já que, até à altura, ninguém tinha ainda posto à prova as leis da gravidade. Também devido ao seu sonho de voar foi gozado na corte, apesar da proteção e do apoio real – “Tenho sido a risada da corte e dos poetas, um deles, Tomás Pinto Brandão, chamou o  meu invento coisa de vento que há-de acabar cedo, se não fosse a proteção de el-rei não sei o que seria de mim,” (p. 64) – e, na canção, o eu lírico diz “Tu tens a arte no organismo e não te dão valor”, o que significa que o “eu”, tal como o padre, tem um grande talento mas não o valorizam por isso.
Porém, no final todo o esforço compensou e, como diz a canção, “ao fim da escuridão tu tens aquela luz divina”. Depois de tantas dificuldades e de tantos obstáculos, o padre e os seus dois amigos conseguiram finalmente voar.

Joana

Joana (Bom -) || “Autopilot” (Garrigan, Prendergast, May), Coming Up For Air, 2015 // José Saramago, Memorial do Convento, Lisboa, Caminho, 2000, pp. 134-146
“Autopilot” (em português, “Piloto Automático”) trata-se de uma canção da banda indie irlandesa Kodaline. Pertencente ao álbum Coming Up For Air, lançado em 2015, a letra pode ser relacionada com a fuga à Inquisição, por parte de Bartolomeu, Blimunda e Baltasar. Localizado no capítulo XVI, este episódio sucede ao acabamento da passarola, sendo nele que se realiza o primeiro voo da “máquina de voar”.
Baltasar e Blimunda encontram se em S. Sebastião da Pedreira do Duque de Aveiro. Pensam em voltar para Mafra. Bartolomeu diz que aguardaram a vinda de El-rei para o mesmo fazer a “prova da máquina, e, correndo bem tudo, como se espera, para todos haverá glória e proveito”. No entanto, o Padre andava inquieto e com medo do Santo Ofício, já que, se o encontrassem, poderiam acusá-lo de ser feiticeiro, considerando que pudesse existir alguma “arte demoníaca nesse voo”.
Passou-se o tempo sem El-rei aparecer e a máquina necessitava de sol para se erguer do chão. Até que um dia, o Padre Bartolomeu Lourenço chega à quinta: “vinha pálido, lívido, cor de cinza”, afirmando que o Santo Ofício andava à sua procura para o prender e que precisavam fugir. Fugiriam na passarola.
Preparam-se para a viagem. Partiriam pelos ares, até onde o destino os quisesse levar (“I just need a place to hide / Somewhere to make you right [Eu apenas preciso de um sítio para me esconder / Algum lugar para te fazer certo]”).
Acabados os preparativos, levantaram voo, deixando para trás o cravo e destruindo a abegoaria (“a abegoaria é só paredes”).
No ar, Baltasar e Blimunda encontravam-se “assustados com a sua própria coragem”, enquanto o Padre “ria, dava gritos”. Estavam “loucos” e deslumbrados. Passaram por momentos de medo, de euforia, de deslumbramento e de felicidade. Do céu via-se Lisboa, o Terreiro do Paço.
A quadra "I'm trying to connect with you / To see the world the way you do / Try 'n' understand what's in your head / I'm hearing what you said” (“Eu estou a tentar conectar-me contigo / Para ver o mundo como tu o vês / Tento entender o que está na tua cabeça / Eu estou a ouvir o que estas a dizer”) pode relacionar-se com as emoções vividas e a necessidade de decifrar o que cada um sente ao estar a sobrevoar Portugal na passarola.  Ao mesmo tempo, no “Rossio, do palácio dos Estaus” informaram “que fugiu o padre a quem iam buscar para o cárcere.”
Quando começa a anoitecer, os três sabem que, quando “o sol se puser, descerá irremediável a máquina” e “talvez cais, talvez se despedace e todos morrerão” (“Maybe you lost control / Fallen into a hole [Talvez tenhas perdido o controlo / Caído em buraco]”). Contudo, mesmo com dificuldades, conseguem aterrar sem ferimentos em terra firme. Não sabiam onde se encontravam e o padre Bartolomeu mostrava-se desanimado e achava que, mais cedo ou mais tarde, o iriam encontrar e matar (“Por enquanto ainda estamos vivos, Amanhã estaremos mortos”), por outro lado, Blimunda e Baltasar estavam confiantes e pretendiam seguir viagem na manhã seguinte. Decidiram descansar e, durante a noite, o padre, que parecia doente, tinha em suas mãos “um ramo inflamado que pegava fogo à maquina”. A passarola pôde ser salva pelo casal, mas, na manhã seguinte, Bartolomeu havia desaparecido.

Isabela

Isabela (Suficiente) || «Outro: Wings» (BangTan Boys [방탄소년]), Wings. You never walk alone, 2016 // José Saramago, Memorial do Convento, 57.ª ed., Lisboa, Porto Editora, 2014, pp. 63-67
No início do romance Memorial do Convento, de José Saramago, o padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão é apelidado de “o Voador”. Este apelido tem origem no seu sonho de voar. Assim, ao longo do romance, Baltasar e Blimunda construíram a máquina que o padre acreditava que o poderia levar o mais perto do sol, a Passarola.
Desta forma, o livro é relacionável com a letra da música do grupo BTS (BangTan Boys [방탄소년단]) na canção “Outro: Wings”. Quando Baltasar pergunta ao padre sobre o seu apelido “o Voador” o padre, incomodado afasta-se pois já sabia qual seria a sua reação. Como esperava Baltasar, desconfiado, afirma, ao padre: “Com perdão da confiança, só os pássaros voam” (p. 66). Porém o padre declara que, assim como um pássaro, ele próprio já voou (“Como um pássaro, eu vou a lugares que me dizem pra não ir, faço coisas que me dizem para não fazer. [새처럼, 가지 말라는 길을 가고 ,하지 말라는 일을 하고]”). Assim sendo, o padre explica a Baltasar os seus feitos, como há dois anos voou, como conseguiu fazer com que os seus balões voassem. Mesmo ninguém acreditando nas suas palavras, mesmo sendo ridicularizado, como foi por João Elvas (“Mas ao Voador não cresceram bastante as asas”, p. 63), o padre Bartolomeu Lourenço seguia com ambição e vontade, mantinha a cabeça erguida seguindo o seu sonho (“Eu me esforço. Eu confio em mim. [ 밀어. 믿어 등이 아픈 ]”).
Mesmo sendo o seu sonho, o padre sabe que aquilo que deseja é difícil ou até mesmo impossível, tratando-se de algo que as pessoas pensavam que se acontecesse seria obra de magia negra e não seria confíavel. Mesmo numa situação como esta, ele nunca se deixou afetar, e manteve-se concentrado no seu objetivo (“O homem primeiro tropeça, depois anda, depois corre, um dia voará”, p. 66), sabendo que poderia levar muito tempo (“Eu não chorarei na estrada que escolhi, eu não curvarei minha cabeça. Lá em cima é o céu e eu estarei voando, voarei. [내가 가는 길에 울지 않고, 고개 숙이지 않아, 거긴 하늘을 테고 날고 있을 테니까, fly]”). O padre é diferente de todas as outras pessoas da sua época, pois tinha a capacidade de visualizar aquilo que outros não podiam ver, mas isto era diferente das capacidades de Blimunda; ele foi capaz de perceber que algo o poderia levar aos céus, e depois de diversas tentativas falhadas de o comprovar ele continua a acreditar (“primeiro fiz um balão que ardeu, depois construí outro que subiu até  ao teto duma sala do paço, enfim outro que saiu por uma janela da Casa da Índia”, p. 66), ele confiava que um dia, com certeza, iria conseguir por isso, não pensava em desistir (“Eu acreditarei incondicionalmente, é hora de ser corajoso. Eu não estou com medo. [조건 없는 믿음을 가지겠어, It’s time to be brave I’m not afraid. 믿기에]”).
Na última parte da música, reforça-se a ideia de que apesar de todos estarem contra o padre Bartolomeu Lourenço, ele, independentemente de todas as opiniões negativas, afirma confiantemente “voar é sair da terra para o ar, onde não há chão que nos ampare os pé, Faremos como as aves, que tanto estão no céu com pousam na terra” (p. 67). Assim ele começa como alguém que tinha um sonho e acaba como alguém que construiu uma máquina capaz de voar, a Passarola (“Eu acredito em mim, eu posso ser fraco agora. Mas, no final, será um incrível salto. Voar, sobrevoar o céu. Voar, sobrevoar bem alto. [ 믿어 지금은 미약할지언정. 끝은 창대한 비약일 . Fly, fly up in the sky Fly, fly get ’em up high]”).

Joãozão

Joãozão (Suf+/Bom-) || «Mais um dia» (José Cid), Coisas do amor e do mar, 2009 // José Saramago, Memorial do Convento, 19.ª edição, Lisboa, Caminho, 1989, pp. 69-70, p. 493
“Mais um dia”, de José Cid, é uma canção que descreve bem o sentimento partilhado entre as personagens Baltasar Sete-Sóis e Blimunda Sete-Luas. É uma música com um olhar forte sobre a paixão, como aquela que é contada por José Saramago em Memorial do Convento, uma verdadeira história de amor. Trata-se de uma história de amor fora do comum, logo pelo contexto em que essa história se inicia. Não podia haver pior cenário para se dar uma ligação destas: o primeiro contacto entre estas duas personagens dá-se num contexto de sofrimento e dor, para alguns; para outros, era a única distração que tinham nas suas vidas mundanas, um auto de fé onde a mãe de Blimunda está a ser julgada perante o olhar sofredor da filha, que nada pode fazer a não ser conter o seu sofrimento para que ninguém se aperceba da ligação materna que a julgada tem com a espetadora, que, certamente, desejava partilhar mais um dia com sua mãe (“Eu só queria mais um dia de magia de ternura e emoção”). Foi nessa altura que Blimunda se dirige a Baltasar pela primeira vez: “e Blimunda disse ao padre, Ali vai minha mãe, e depois, voltando-se para o homem alto que lhe estava perto, perguntou, Que nome é o seu, e o homem disse, naturalmente, assim reconhecendo o direito de esta mulher lhe fazer perguntas, Baltasar Mateus, também me chamam Sete-Sóis” (p. 69). Enquanto Blimunda dialoga com o padre e olha sua mãe, Baltasar observa atentamente outro “espetáculo”, Blimunda, cujo olhar desperta nele um sentimento diferente (“Baltasar Mateus, o Sete-Sóis, está calado, apenas olha fixamente Blimunda e de cada vez que ela o olha a ele sente um aperto na boca do estômago…”, p. 72), olhos tem tais que Baltasar nunca havia visto uns assim, “porque olhos como estes nunca se viram” (p. 72). Foi um verdadeiro amor à primeira vista, Baltasar Sete-Sóis sentiu-se “preso”, “encantado” pela jovem Blimunda de dezanove anos: “Não tenho forças que me levem daqui, deitaste-me um encanto” (p. 74); “Eu, não sei explicar o que senti, Como na primeira vez, encontrei o teu olharNessa magia me perdi.” Foi um amor comum aos outros o vivido por este casal que, “casado” (“Aceitas para a tua boca a colher de que se serviu a boca deste homem, fazendo seu o que era teu, agora tornando a ser teu o que foi dele, e tantas vezes que se perca o sentido do teu e do meu, e como Blimunda já tinha dito que sim antes de perguntada, Então declaro-vos casados.”, p. 73) por um padre com ideias por alguns mal vistas, teve que manter a sua verdadeira em união segredo (“Guardar num cofre, o segredo que há em nós”). Por forças do destino, foram “obrigados” a separar-se, e durante longos nove anos Blimunda procurou o seu amado Baltasar, que voltou a encontrar, tragicamente no mesmo cenário em que inicialmente se haviam conhecido: Baltasar encontrava-se num auto de fé em S. Domingos, fora queimado por ordem do tribunal da inquisição, mas, antes de a sua vontade poder deixar o seu corpo, Blimunda apreendeu-a (“Desprendeu-se a vontade de Baltasar Sete-Sóis, mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia e a Blimunda”, p. 493), pois, assim como é referido na música, também Blimunda desejava poder passar mais tempo com Baltasar, que tanto amava — “Eu só queria mais um dia, para viver essa paixão. Mais um dia de magia, de ternura e emoção. Dizer-te meu amor, que me ao pegar, nós ficámos sempre assim”.

Catarina F.

Catarina F. (Suficiente + / Bom -) || “Loucos” (Matias Damásio), Por Amor, 2016 // José Saramago, Memorial do Convento, Porto, Porto Editora, 2014, passim
Ao longo do romance de José Saramago, Memorial do Convento, o amor entre Baltasar e Blimunda vai crescendo, tornando-se num dos principais assuntos da narrativa.
Baltasar Sete-Sóis foi soldado na guerra da sucessão espanhola. Mandaram-no embora do exército pois ficara maneta da mão esquerda. Blimunda de Jesus, posteriormente alcunhada de Sete-Luas pelo Padre Bartolomeu Gusmão, possui o dom de ver o interior das pessoas.
Muitas diferenças e, no entanto, tudo em comum. Baltasar e Blimunda, no texto, são vistos como um só, completam-se, são o exemplo do casal perfeito. Identicamente, na música “Loucos”, o eu afirma também ser um “exemplo do paraíso, formamos um par perfeito”.
Este amor começa no momento em que se conhecem no auto de fé, no qual a mãe de Blimunda é condenada ao degredo, e onde predestina filha a Baltasar (“que nome é o seu”; cap. V, p. 57).
Desde esse momento, nasceu um amor puro e verdadeiro (“e a nossa chama espalha, o sorriso encontra, como é doce o beijo”), um amor sentido por todos e que levou Blimunda a entregar-se por completo.
Vão trabalhar juntos na construção da passarola, sob a direção do padre Bartolomeu Gusmão: Baltasar ajuda na construção e Blimunda apanha as vontades para que esta voe. E conseguem-no. A passarola voa e voam também, felizes por alcançarem o seu objetivo e por o terem feito juntos: “nuvens formaram nossa imagem no céu”.
Tanto a música como o livro referem-se a um amor inocente, puro e indescritível (“Camões não inventou palavras para exprimir esse momento”) que serve como lição de vida. Apesar de todos os obstáculos, este casal termina sempre junto.
A passarola despenhou-se e, tempos depois, Baltasar como já costumava fazer, decide visitar o local onde o incidente ocorrera, para verificar a passarola. Desde o dia em que partiu, Blimunda nunca mais o vira e decidiu começar a procurá-lo, revisitando todos os locais onde ele pudesse estar, durante nove anos consecutivos.
O sujeito da canção, ao dizer “mas o mundo nos chama loucos porque contamos estrelas no céu”, o que realmente quer dizer é que, num paralelo com a história, todos os julgam “loucos” porque, por amor, fazem o possível e o impossível. O amor é das maiores forças que movem uma pessoa.
Com essa força, Blimunda finalmente encontra Baltasar. Encontra-se num auto de fé, pelo que vai ser morto, e Blimunda diz-lhe “vem. Desprendeu-se a vontade de Baltasar Sete-Sóis, mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia e a Blimunda”.

Bruno

Bruno (Suficiente -) || “Amar Pelos dois” (Luísa Sobral), 2017 // José Saramago, Memorial do Convento, 13.ª edição, Lisboa, Caminho, 1984, caps. XXIV, XXV
“Amar pelos dois” retrata uma forma intensa de se viver uma paixão, como o amor que Blimunda e Baltasar partilham em Memorial do convento. Blimunda conhece Baltasar num ao auto de fé, onde via a sua mãe a ser condenada. Seus olhos encantaram logo Baltasar, que foi convidado por Blimunda a passar a noite com ela, deixando-se ambos levar pelo prazer. Depois de descobrir o segredo de Blimunda, Baltasar decide ajudar o padre Bartolomeu a completar o projeto da passarola. Concluída esta, decidem rumar nela com o intuito de fugir da inquisição.
Depois do desaparecimento de Baltasar numa das suas jornadas para preservar a passarola , Blimunda percorreu, durante nove duros anos, imensas terras para tentar encontrar a sua alma gémea, chegando mesmo a pedir que algo o trouxesse de volta.
“Amar pelos dois”, com os versos “Meu bem, ouve as minhas preces / Peço que regresses”, apesar de as situações serem bastante diferentes, já que a canção fala de um amor bastante intenso mas só de um dos lados, pode-se encaixar na vontade da Blimunda de encontrar o seu Sete-Sóis, que não via há nove anos, desde que saíra para verificar a passarola.
No final de Memorial, Blimunda, em jejum e fraca, reencontra Baltasar que estava a ser julgado no auto de fé, pois tinha sido apanhado a voar na passarola, um erro que cometeu sem querer, ao encontrá-la.
Ao quebrar a única promessa que tinha feito a Baltasar, Blimunda vê-o por dentro, vê a sua nuvem fechada, e captura a sua alma, “que pertencia à terra e a Blimunda”.
Saramago, com estas personagens fictícias, quis mostrar o que as pessoas de baixo escalão social, o povo, passavam no século dezoito: a perseguição, o sofrimento, e o único sentimento com que se podia contar, o verdadeiro amor.
No final, vemos Blimunda a ficar com a vontade de Baltasar. Memorial eleva o amor intenso já demonstrado nos capítulos anteriores, para o amor eterno, uma nova forma de um romance ser épico e, ao mesmo tempo, cativar e emocionar os leitores.
“Amar pelos dois” expressa essa interpretação de amor eterno mostrada em Memorial, sendo Blimunda e Baltasar unidos num só. O último verso da canção — “o meu coração consegue amar pelos dois” — mostra tudo o que o fim de Memorial queria demonstrar.

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